sábado, 8 de dezembro de 2012

EDUCAÇÃO: UMA QUESTÃO DE PODER OU UMA QUESTÃO HUMANA?

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O PAPEL DO CONCEITO ESTRATÉGICO DE SEGURANÇA E DEFESA NACIONAL

Este é o último século antes do Homem

Yannis Ritsos

Quando hoje procuramos situar-nos, encontrar-nos, no mundo em que vivemos, de imediato nos confrontamos com três palavras-chave que nos parecem perigosamente adequadas para o definirmos: incerteza, instabilidade, insegurança.

Parecem adequadas por três razões principais.

Primeira, e seguindo Albert Einstein, “É espantosamente óbvio que a nossa tecnologia excede a nossa humanidade.”: se é verdade que o avanço tecnológico permitiu elevar os padrões de qualidade de vida dos seres humanos (em termos gerais, claro), também é verdade que estamos cada vez mais dependentes, cada vez mais subjugados, pela tecnologia. É incerto o nosso devir, tanto depende ele dos instrumentos tecnológicos que somos, e sejamos, capazes de desenvolver.

Segunda, a relação “ciclo de vida do conhecimento” – “esperança de vida” mudou radicalmente: de um ciclo de vida do conhecimento suficientemente longo para nos acompanhar durante toda a nossa vida, hoje o ciclo de vida do conhecimento é cada vez mais curto e a nossa esperança de vida aumentou. De uma aprendizagem para toda a vida vemo-nos perante a necessidade, a obrigação, de aprendermos durante toda a vida. A nossa humanidade ainda não interiorizou esta mudança, colocando-nos a viver em clima de grande instabilidade. (1)

Terceira, a relação espaço – tempo também se alterou profundamente, passando “de um espaço limitado e conhecido e um tempo longo para um espaço ilimitado e desconhecido e um tempo que tende para infinitesimal”. (2) As respostas que temos que dar “já!” a questões que nos chegam “daqui ao lado” e, ao mesmo tempo “imediato”, de um qualquer “longínquo desconhecido”, impõem-nos vivermos numa “ditadura do instante”, duvidando da capacidade de dominarmos os instrumentos de que dispomos para construirmos uma resposta certa e, sem sabermos se o que sabemos é suficiente para que a resposta dada tenha sucesso, ficamos inseguros na espectativa do resultado da nossa acção.

Mas estaremos assim “tão perdidos”? Não será que “a urgência das respostas” nos está a desviar do que é, de facto, essencial – e Humano! – para nos situarmos (incertos, instáveis e inseguros) na superfície das coisas, na sua aparência, na comoção do viver presente?

Disse o Prof. Roberto Carneiro (3) que assistimos à “emergência da complexidade e da interdependência. Tudo interactua com tudo: o destino de cada um confunde-se com o destino da Humanidade”.

É esta complexidade e interdependência que se constituem como a parte submersa do “iceberg” de que a incerteza, a instabilidade e a insegurança são a superfície.

E sendo-nos lícito argumentar, com o Prof. Adriano Moreira, que “Os factos alteram-se em tempo social acelerado, e os conceitos operacionais modificam-se em tempo social demorado” (4), paralelamente é pertinente constatarmos que, embora não com fundamento em teorias de carácter científico mais ou menos comummente aceites (ou reconhecidas), mas sobretudo por “tentativa e erro”, os seres humanos que somos têm procurado respostas a essa complexidade e a essa interdependência.

Mas que complexidade e que interdependência são estas? Chamemos-lhes Sistemas Complexos e tentemos identificá-los. Neles, e nos seus problemas (5):

Ø Não há um “único correcto” ponto de vista para os abordar.

Ø Há diferentes pontos de vista e soluções contraditórias.

Ø Os problemas e as suas circunstâncias interagem com outros problemas e circunstâncias, de forma múltipla e não linear.

Ø São possíveis inúmeros “pontos de intervenção” na busca de uma solução.

Ø Não existe a solução para o problema: há problemas e há soluções cuja concretização se consubstancia numa multiplicidade de interacções “em rede”.

Ø Há incerteza e ambiguidade na definição dos nós dessa rede: ponto de partida? ponto de chegada? ponto crítico no “caminho” da concretização da mudança (o âmago da resolução dos problemas inerentes aos sistemas complexos)? ou trata-se “apenas” de um nó “virtual”, resultante de uma percepção superficial (como uma espécie de “ilusão de óptica”) do cruzamento de dois caminhos, de direcções e sentidos diferentes, mas existentes em planos paralelos?

Neste cenário pleno de dúvidas e sem nenhumas certezas falta colocar os actores principais: as Pessoas. Porquê? Porque estes sistemas complexos são Sistemas Humanos! Dito de outro modo, a sua identificação, a identificação dos problemas que neles existem ou são susceptíveis de existirem, as múltiplas formas de os abordar, desde as suas circunstâncias, espaços e tempos, até às possíveis soluções e suas consequências possíveis de prever, são questões eminentemente humanas. Não podem, por isso, ser deixadas ao “livre arbítrio” das técnicas e das tecnologias (nem aos “seus” técnicos e tecnólogos, por muito “humanos” que aparentem ser…).

Mesmo correndo o risco de darmos razão a A. L. Mencken: “Há sempre uma solução fácil para qualquer problema humano – clara, plausível e errada”.

Que fazer, então?

Não havendo a resposta para o problema, também não é possível que um indivíduo encontre, por si só, a resposta a um problema cuja identificação, soluções e consequências afectam todos.

Isto é, em sistemas complexos, que se estruturam em rede e que projectam para a superfície elevados índices de incerteza, instabilidade e insegurança, os seres humanos têm que trabalhar em rede, pondo à disposição do sistema (da comunidade) as suas qualificações – para a partilha (empenhada e comprometida) do esforço colectivo de encontrar as melhores soluções – e os seus valores (sendo determinantes o respeito mútuo e a solidariedade, valores “individuais” que sustentam aquele outro, “colectivo”, vital para criar e manter o sentimento de pertença a uma comunidade), a confiança - para a partilha do esforço colectivo para manter o sistema coeso (inteligível, dinâmico e com perspectivas de futuro realizável).

(Note-se que a globalização se encarregou de transformar um sistema complexo “individual” – uma dada comunidade, com identidade própria colectivamente assumida – num sistema complexo “colectivo”, planetário no sentido expresso por Edgar Morin, e “em rede” segundo Manuel Castells).

É elevada a exigência de qualidade que cada ser humano deve colocar nas suas acções e interacções dentro destes sistemas complexos. Qualidade que “não se definindo nem se impondo, mas construindo-se” (Prof. João Barbosa) comporta valores, saberes e saberes-fazer.

É na Educação, e através dela, que os seres humanos (cada um de nós) vai aprender, absorver, interiorizar, desenvolver, estes valores e estes saberes e saberes-fazer que fazem dum ser humano um cidadão participativo e solidário nos esforços colectivos de resolução dos complexos problemas humanos com que nos defrontamos.

No mundo de hoje, mais do que nunca, esta construção do ser humano enquanto cidadão expressa-se segundo a consolidação de três vértices

Responsabilidade

Autonomia Independência

em que Autonomia significa a capacidade de fazer opções; Independência significa a capacidade de assumir essas opções; e Responsabilidade significa a capacidade para agir de acordo com essas escolhas e a capacidade de assumir as consequências dessas acções (ou omissões).

Estes três vértices sustentam práticas essenciais de cidadania, na procura colectiva de respostas adequadas, exequíveis e aceitáveis à multiplicidade e diversidade de problemas que definem o mundo complexo em que vivemos. Um mundo extremamente exigente, de tal modo que rejeita a resposta; que rejeita até que uma resposta adequada, exequível e aceitável a um problema se mantenha como adequada, exequível e aceitável para um outro problema, mesmo que semelhante e perante circunstâncias também elas semelhantes; e que “se atreve” também a rejeitar a mesma solução para o mesmo problema, se se verificarem diferenças (por vezes aparentemente mínimas) nas circunstâncias próprias desse problema ou alheias (de outro ou outros problemas com o qual ou os quais o primeiro e as suas soluções interagem).

É assim que se torna indispensável acrescentar àquelas três vertentes, duas outras cuja importância é cada vez maior e mais reconhecida: a Inovação, como capacidade para encontrar/descobrir novos instrumentos para resolver problemas; a Criatividade, como capacidade para encontrar novas formas de resolver o mesmo problema em diferentes circunstâncias ou activamente enfrentar um problema inesperado (1) .

Exigindo-nos o mundo de hoje, tal como o vimos definido que, enquanto cidadãos, sejamos responsáveis, inovadores e criativos, importa assinalarmos que estas três capacidades têm um factor comum e determinante, quer na sua génese (pois cada uma delas se constrói e desenvolve – pela Educação), quer na sua prática (que as torna sólidas e reconhecidas): o pensamento crítico.

De facto, perante a identificação de um problema, a definição das suas circunstâncias, o desenho das suas soluções e, ainda, das interacções que têm (problema, circunstâncias, soluções) com outros problemas, outras circunstâncias, outras soluções, é indispensável que os seres humanos sejam capazes de (como exemplos apenas):

· Reflectir sobre a identificação do problema, as suas circunstâncias, relevância e prioridade, bem como sobre os critérios e instrumentos de avaliação usados, e sobre a credibilidade dos dados e informações existentes.

· Formular hipóteses alternativas em relação àquela identificação, circunstâncias, relevância, prioridade, critérios e instrumentos de avaliação, dados e informações.

· Reflectir sobre propostas de solução, iniciais e alternativas, e nas consequências (previstas, assumidas ou hipotéticas), nomeadamente quanto a interacções com outros problemas e suas soluções.

· Considerando que a resolução de um problema representa uma mudança, e que esta não é mais do que uma passagem de um “ponto de partida” – um “Aqui”, definido por questões como “Quem Somos”, “Onde Estamos”, “Que Valores”, “Que Visão”, “Que Capacidades”, “Que Circunstâncias” – para um “ponto de chegada” – um “Ali”, definido por questões como “Que Aspirações”, “Que Interesses”, “Que Objectivos”, “Que Circunstâncias” – através de um percurso (planeamento operacional) que tem em conta as “Diferenças e os Obstáculos a ultrapassar”, os “Pontos Críticos” que obrigam a avaliar o desenvolvimento e concretização do plano de mudança, os “Recursos” disponíveis e a obter e as “Decisões” a tomar; reflectir sobre o que fazer, quando fazer, como fazer e, especialmente, com quem fazer (estabelecendo, neste caso, níveis adequados de responsabilidade e correspondentes níveis de decisão).

É de novo, na Educação, e através da Educação, que esta capacidade – a de usar o pensamento crítico em situações concretas da nossa vida concreta – se adquire, se interioriza e se desenvolve. Considerando, claro, que a meta a atingir é a construção de um ser humano identitariamente definido como indivíduo inteiro, diferente entre iguais (preservando a sua identidade própria) e igual entre diferentes (assumindo a sua identidade colectiva dentro da sua comunidade de pertença, seja ela local, nacional ou planetária).

E por que o ser humano é Razão, Emoção e Acção, a esta capacidade de reflectir (Razão) e a esta necessidade de construção (Acção), há urgência em juntarmos os afectos (Emoção) – são eles que nos fazem sentir fazer parte de uma comunidade, numa procura constante e solidária do bem comum.

Temos conseguido encontrar na Educação os caminhos para respondermos a esta exigência de plenitude humana?

Paulo Freire diz-nos que não, uma vez que os nossos sistemas educativos ensinam “o operário a ser bom mecânico, mas não a discutir a estética, a política e a ideologia que há por trás da aprendizagem”.

Pelo contrário, “criamos escolas concebidas para premiar o chamado bom aluno, que repete, que renuncia ao pensamento crítico, que se adapta a modelos…”. (6)

Porquê esta recusa em ir além da repetição, pois que ela somente permite a construção de um bom técnico, um bom profissional? Porquê recusar o desenvolvimento da capacidade de inovar, de criar, de ser responsável, de ir além – bem além! – do “bom profissional”, se a meta é o cidadão de corpo inteiro, de que uma (apenas uma) das componentes identitárias é a profissão?

Porquê os sistemas educativos limitam a capacidade de reflexão a um estéril diletantismo intelectual quando ela “ameaça” ir além das reflexões técnico-profissionais?

Por medo de uma qualquer “insurgência na mudança” causada por uma qualquer acção de cidadania, já que acções de mudança a nível profissional são toleradas (quanto baste…)?

Os sistemas educativos são sistemas complexos. Donde as perguntas acima formuladas não identificam, cada uma de per si ou todas, o problema; são múltiplos e diversos os problemas.

E as respostas não podem ser a organização escolar, o currículo, a avaliação dos alunos, a avaliação dos professores, a autonomia da Escola… São cada uma delas e todas, diferentes em cada momento e em cada circunstância, nas suas interacções e consequências mutuamente influenciadoras.

Mas exigem, a montante, uma matriz comum, capaz de garantir credibilidade à identificação dos problemas, e fiabilidade à adequabilidade, exequibilidade e aceitabilidade das respostas.

Essa matriz é política.

No entanto, para o desenho, a definição, a operacionalização dessa matriz, é vital que tenhamos a humildade de nos situarmos na nossa “insignificância”: se é verdade que o presente que somos é o futuro de um passado, o que conhecemos desse passado, o modo como nos relacionamos com ele, e a nossa própria experiência do que tem sido o nosso presente, deve obrigar-nos a assumir que “preparar uma nova geração para um mundo novo, só pode significar que se deseja recusar àqueles que chegam de novo a sua própria possibilidade de inovar” (7). De facto, se esta pretensão se concretizasse não estaríamos a fazer outra coisa senão “colonizar o futuro” (8) dos nossos filhos.

Dito de outro modo, sendo vital a inteligibilidade do passado transmitida pela Educação, também é determinante que a perspectiva do futuro seja equacionada sem dogmas, sem preconceitos, sem discriminações. A base da Educação não é a certeza, é a dúvida, permanentemente confrontada com a fundamentação do argumento ou a demonstração do facto.

Mas esta política tem que conjugar-se com o exercício de outras políticas noutras áreas da vivência comunitária, noutros sistemas complexos. E o seu exercício, seja em que área for, é o exercício de um poder, variado e variável nas suas formas e conteúdos, resultante da concretização de uma vontade, através do uso de múltiplas capacidades e recursos, em circunstâncias identificadas ou fortuitas, e oportunidades criadas ou acontecidas, e que constitui o terceiro vértice de um outro triângulo:

Poder

Pensamento Crítico Educação

Ora, se a relação entre os três vértices do primeiro triângulo – Autonomia, Independência, Responsabilidade – é difícil, quer por impreparação quer por “desabituação” ou mera opção, a relação entre Pensamento Crítico e Educação é exigente, e entre estes dois vértices e o Poder é manifestamente conflituante: o Poder necessita de ambos para ser alcançado, mas, uma vez obtido, rejeita-os, domina-os, domestica-os – “A educação sempre inspirou medo àqueles que pretendem manter tal como estão as distribuições de poder e riqueza existentes” (6).

Nenhum destes seis vértices é representado por instrumentos, ou técnicas, ou tecnologias: “dentro” de cada um deles estão seres humanos, pessoas, com as suas identidades, afectos, sonhos, objectivos, saberes, qualificações, contradições. E hoje, mais dúvidas que certezas. Mas, com Sidónio Muralha, sabemo-nos todos (consciente ou inconscientemente) “Pequenos Deuses Caseiros” pois, porque impreparados, desabituados ou por opção, não usamos o pensamento crítico em nós, e quando o outro se atreve a fazê-lo…

É com o “pano de fundo” exposto acima, que, dentro dos sistemas educativos, devemos abordar o actor que designamos por Professor, colocando duas alternativas como desafio, e aceitando que em ambas, e individualmente cada actor, os saberes e saberes-fazer estão consistentemente assegurados:

1. O actor transmite, bem, os saberes e saberes-fazer oficiais. No entanto, abdica de questionar e ensinar a questionar, de usar e ensinar a usar o pensamento crítico.

Dependente, este actor é um diligente funcionário educativo.

2. O actor transmite, bem, os saberes e saberes-fazer. Não abdica, porém, de os confrontar com abordagens diferentes, hipóteses alternativas, soluções inesperadas, mesmo provocadoras. Não abdica de questionar e de ensinar a questionar, questionando-se a si próprio de modo que o aluno apreenda o conceito e interiorize que o caminho a seguir por cada um é uma escolha de cada um e não “emprestada” seja por quem for. Para ele, o pensamento crítico é um factor identitário.

Independente, este actor é perigoso. É um insurgente. É um revolucionário – não no sentido ideológico mas, bem mais importante e muito mais exigente, no sentido humano da Revolução.

Este actor é um Professor.

Posto o que é tempo de deixar o desafio:

A. Que tipo de Professor cada um de nós, individualmente, quer para os nossos filhos, sabendo que o segundo nos exigirá mais no diálogo, também Educação, Pais – Filhos?

B. Que tipos de Professor queremos, como membros de uma comunidade, para os nossos filhos, sabendo que o segundo os dotará de ferramentas capazes de questionarem as nossas responsabilidades na gestão da comunidade, no diálogo exigentíssimo entre Passado, Presente e Futuro?

C. Que tipo de Professor quer o Poder Político, sabendo que o segundo criará condições para que o exercício do Poder seja permanentemente questionado nas suas opções, acções e omissões?

As respostas que dermos a estas questões não são, rigorosamente, nada despiciendas quando nos propomos reflectir sobre um Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN), visando identificar as suas múltiplas vertentes, circunstâncias e interacções, e definir propósitos e acções que perspectivem a construção de um Futuro comum que nos seja identitário, individual e colectivamente.

E a primeira reflexão que nos surge é crucial:

- Colocamos dentro do CESDN as pessoas que nós somos (ou julgamos, ou pretendemos, ser), cada um de nós com os nossos medos, os nossos mitos, as nossas crenças, os nossos fantasmas, as nossas contradições, mas também as nossas capacidades, os nossos saberes e saberes-fazer, os nossos anseios, os nossos sonhos, os nossos afectos, a nossa vontade de pertença a uma mesma comunidade de seres humanos, com uma visão de Futuro em que nos revemos e para cuja construção estamos disponíveis e solidários?

- Ou reconhecemos no CESDN apenas um conjunto de regras e orientações de cariz meramente instrumental e técnico, adequado à inalterabilidade de um “stato quo”, onde somente concedamos lugar a “inovações tecnológicas” desde que, obviamente, não ponham em causa o “ordenamento burocrático-legal” instituído?

Porquê?

O Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional subordina-se directamente à Constituição da República.

Porque é nesta, na Constituição, que inscrevemos o Valores e os Princípios que nos reflectem como seres humanos inteiros, livres e solidários, pertencentes a uma comunidade que nos faz sentir orgulhosos de um Passado, por contraditório que tenha sido (e foi); firmes num Presente incerto, instável e inseguro; e sonhadores de um Futuro que dê resposta efectiva e vertical à exigência contida num velho ditado dos índios sul-americanos: “Este mundo não é nosso, pedimo-lo emprestado aos nossos Filhos!”.

É na obediência a estes Valores e Princípios que o CESDN deve estabelecer as necessárias orientações e linhas de acção para que a praxis política faça sentido para toda a comunidade:

- Consolidando esses Valores e Princípios através de uma prática política em que, todos, nos sintamos intervenientes reconhecidamente iguais, independentemente das opções e escolhas individuais. É esta Segurança que que nos faz crer que o Outro não é inimigo, nem antagonista – é diferente mas igual. A Segurança é, assim, a plataforma indispensável onde assenta e se desenvolve o respeito mútuo entre os membros da mesma comunidade de pertença.

- Preservando esses Valores e Princípios como guias imprescindíveis na visão que desenhamos de um Futuro comum, sabendo que o Futuro não é apenas um sonho: querer, construir e ter um Futuro é aquilo que diferencia o ser humano de todos os outros seres vivos.8 É esta Defesa que nos faz crer pertencermos a uma comunidade única, uma Nação, não melhor não pior que outras, isto é, diferente mas também igual. A Defesa é, assim, a plataforma indispensável onde assenta e se desenvolve o respeito mútuo partilhado e exercido entre comunidades/nações num mundo cada vez mais global, mais planetário.

É nestas duas vertentes – Segurança e Defesa – que nos devemos situar, e agir, enquanto cidadãos. Se a Segurança nos permite o exercício exigente da cidadania plena enquanto membros de uma comunidade de pertença, a Defesa permite-nos reivindicar, de corpo inteiro e verticalmente, o nosso lugar – diferente mas igual – no exercício cada vez mais exigente de uma “cidadania planetária” 9 que a globalização nos impõe.

É, pois, a praxis, continuada e permanente, de uma cidadania plenamente assumida, que nos “proíbe” de aceitarmos que a Segurança e a Defesa sejam confinadas a este ou àquele sector organizado da prática política, eventualmente reféns deste ou daquele “feudo corporativo”. A Segurança e a Defesa dizem respeito a todos os cidadãos, porque ambas exigem, nas suas múltiplas áreas de acção, com as suas múltiplas organizações (políticas, económicas, militares, policiais, judiciais, educacionais, empresariais, sindicais, culturais, tantas outras…) agindo num ambiente cada vez mais complexo e interdependente, a participação activa, empenhada, solidária, de todos os cidadãos.

Ah, e participação crítica, porque sem crítica não há participação activa, nem empenhada, nem solidária.

É por isso que o primeiro, e crucial, factor identitário a inscrever, clara e explicitamente, no Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional é …. a Educação, e o que queremos/exigimos dela.

Porque através da, e com a Educação, construímos e desenvolvemos uma cidadania consciente, empenhada, solidária, livre e … crítica.

Ou, através de um ”qualquer sucedâneo educativo vagamente aparentado com Educação”, limitamo-nos a “fazer” técnicos altamente (?) qualificados (?) na sua área específica do saber ou saber-fazer, eventualmente bem remunerados, mas cujo grau de prática cidadã se fica pelo nível mais acrítico, mais autómato, mais acéfalo, mais… anómalo.

Que escolhas fazemos?

Bibliografia

1. Capt António Almeida de Moura, “Technology, Responsibility, Humanity”, in “ New Security Learning”, (online) Março 2011

2. Almeida de Moura, “O Papel do Militar na Sociedade”, in Anais do CMN, Abril-Junho 2003

3. Prof. Roberto Carneiro, “Memória de Portugal, o Milénio Português”, Circulo de Leitores 2001

4. Prof. Adriano Moreira, “Teorias das Relações Internacionais”, 1999

5. Robert E. Horn e Robert P. Weber, “ New Tools for Resolving Wicked Problems”, 2007 (adaptação)

6. Howard Zinn e Donaldo Macedo, “Poder, Democracia e Educação”

7. Hannah Arendt, “A Crise na Educação” in “Quatro textos Excêntricos”

8. David Innerarity, “O Futuro e os seus Inimigos”

9. Edgar Morin “Educar para a Era Planetária”