quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

DIAS TRISTES E PERTURBANTES

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Muitos são os factos que demonstram o divórcio entre governantes e governados. Por exclusiva responsabilidade própria, quer o “presidente” da República, quer o governo, protagonizam palavras e actos que, de um modo acelerado, desgastam a Política e a governação, armadilhando e destruindo a confiança dos governados. Estes, por seu lado, são confrontados diariamente com actos e palavras dos governantes que os desgostam, ofendem, humilham, desesperam, perante a constante vandalização de quaisquer expectativas de Futuro, sequer a curto prazo.

A urgência do imediato, a fluidez gelatinosa de cada decisão governamental, logo irrevogavelmente revogada, gastam as derradeiras energias de resistência de que os governados ainda – por quanto tempo mais? – dispõem.

Neste imenso corrupio de erros, desprezo, arrogância, prepotência, a que governo e “presidente” da República chamam “acção governativa”, constitui exemplo paradigmático do estado de indigência política a que chegámos a actual situação da chefia da Marinha Portuguesa. Vejamos:

1. De acordo com as leis em vigor, desde que foi nomeado, anos atrás, que se sabia qual a data em que o anterior Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) terminaria o seu mandato.

2. Ainda de acordo com as leis em vigor, compete ao governo a escolha dos Chefes Militares, submetendo-a posteriormente à aprovação do Presidente da República.

3. Continuando a seguir as leis em vigor, os ramos das Forças Armadas, neste caso a Marinha, não têm nenhuma interferência directa nesta escolha.

4. O anterior CEMA terminou o seu mandato e passou, de imediato, à situação de Reserva.

5. A sua substituição “encalhou”, ao que parece, em divergências dentro da governação (“presidente” da República e governo) quanto à escolha do seu sucessor.

6. Actualmente, a Marinha Portuguesa está a ser chefiada por um vice-almirante na situação de Reserva.

Nenhum destes factos é contrário às leis em vigor. Revelam, porém, uma absoluta falta de Ética no exercício do Poder Político.

Não é de espantar tal facto, pelo menos desde que um energúmeno afirmou, na Assembleia da República, que “a Ética se subordina à Lei”. E menos de espantar é quando, como acima se disse, a “fluidez gelatinosa das decisões governamentais” encontra suporte em leis mal feitas, que se “atrapalham” umas às outras por contraditórias entre si, e mesmo dentro de si (fazendo as “delícias” de alguns “escritórios de advogados”), impondo o primado da força na acção governativa.

No entanto, a situação actual vivida pela Marinha Portuguesa vai perigosamente para além disto.

De facto, revela, por um lado, o real desprezo com que o Poder Político trata o Poder Militar, as Forças Armadas; por outro lado, e acentuando esse desprezo, a assumpção de que a submissão – e não a subordinação! – é a única atitude institucional que o Poder Político aceita, melhor, exige, das Forças Armadas.

Revela, ainda, que para o Poder Político a manifestação pública das suas divergências é totalmente irrelevante, pois as Forças Armadas, neste caso a Marinha Portuguesa, existem para “obedecer fiel e cegamente”, mesmo quando aquelas divergências mostram a sectarização a que chegou a acção governativa.

De um Chefe Militar exige-se, como imperativo Ético e Deontológico, o cumprimento rigoroso e inquestionável dos Deveres de Tutela, de Lealdade e de Disciplina para com os seus subordinados. Estes Valores Fundacionais da Condição Militar estão perigosamente postos em causa quando um Chefe Militar corre sérios riscos de não só se submeter ao Poder Político (de facto, uma governamentalização inaceitável, Ética e Constitucionalmente), mas a um específico sector sectário desse Poder.

E tanto mais perigosamente quanto este Poder Político tem dado reiteradas provas de ser completamente avesso a assumir as suas responsabilidades, quando uma submissão das Forças Armadas ao Poder Político coloca neste todas as responsabilidades pelas acções ( e suas consequências) cumpridas por aquelas.

São tristes e perturbantes os tempos que as nossas Forças Armadas vivem!

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Precedente? Não, Consequência!

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No dia 21 de Novembro de 2013, diversas Forças de Segurança  deram corpo a uma manifestação convocada pelos respectivos Sindicatos para, frente à Assembleia da República, expressarem a sua indignação pelo tratamento a que vêm sendo sujeitas pelo governo, num protesto que congregou vários milhares de pessoas.

No final dessa manifestação, homens e mulheres ali presentes ultrapassaram as barreiras metálicas e subiram a escadaria fronteira ao edifício da Assembleia da República, num acto que, indo para além das palavras, afirmava claramente o seu nível de indignação.

Este acto foi condenado por muitos comentadores, jornalistas, políticos e, com especial ênfase, pelo governo. Neste caso, são relevantes as seguintes afirmações:

. Ministro da Administração Interna: um acto “absolutamente inaceitável”. “Primeiro porque as regras de segurança são para cumprir. Depois porque quem tem por missão fazê-las respeitar não pode dar o exemplo de as violar”. E, sendo “especialmente graves”, “tinha que haver consequências a tirar”. “Num Estado de Direito”, há regras que devem ser observadas e limites que não podem ser ultrapassados”, garantindo que tais acontecimentos seriam uma “excepção” e que “não voltarão a repetir-se”. Acrescentou ainda “Isto é um requisito essencial não apenas da defesa do Estado de Direito, mas também da defesa da imagem de prestígio e de credibilidade dos agentes e das forças de segurança”.

. Primeiro-ministro: “O que se passou não é um bom indicador da própria autoridade das forças de segurança”. O protesto “não deveria ter ficado ensombrado pelo facto de manifestantes que pertencem a forças de segurança terem quebrado as regras que, enquanto estão em funções, devem fazer respeitar”. Por isso, “o governo e as próprias polícias devem tirar consequências do que se passou, de modo a que não haja um enfraquecimento das próprias forças de segurança no cumprimento do seu dever”.

. Porta-voz do PSD: “Todos nós temos consciência de que existem organizações que têm o especial dever de exemplo na sua actuação”.

. Líder da bancada do CDS/PP: “Num Estado de direito democrático [estes acontecimentos] não podem voltar a repetir-se”. “Estes actos são graves e não se devem repetir”.

Podemos concluir que estas afirmações, entre outras de semelhante teor, classificam aqueles incidentes como um “precedente grave”, que não pode “voltar a repetir-se”.

Mas, será efectivamente “um precedente”?

Todas aquelas afirmações chamam em seu favor “o Estado de Direito” e “o especial dever de exemplo na sua actuação” de organizações e instituições que integram esse Estado de Direito.

Poderemos dizer, sem margem para dúvidas, que essas organizações e instituições têm feito prática efectiva desse “dever de exemplo na sua actuação”? Vejamos, numa breve análise, o que nos diz a prática do governo:

1. Concorreu às eleições com um específico programa. Porém, logo que tomou posse, iniciou o cumprimento de um outro programa, oposto ao apresentado a sufrágio. Dado que as eleições foram livres e democráticas, permitindo assim que qualquer partido apresentasse, sem quaisquer entraves, o programa que desejasse, este acto só pode ser considerado como ferido de desonestidade política. Não é um exemplo para ninguém de boa-fé.

2. Numa das primeiras audições na Assembleia da República, o governo afirmou, peremptoriamente, ter constatado “um desvio colossal” nas contas do Estado. Teria sido actuação exemplar o governo declarar-se “impossibilitado de cumprir o programa com que tinha concorrido às eleições”, e assumir-se como “governo de gestão corrente” até que uma auditoria independente e urgente analisasse as contas do Estado para: a) confirmar ou infirmar tal “desvio colossal”; b) em caso de confirmação: identificar os responsáveis, e seguir os adequados procedimentos jurídicos; permitir ao governo reapreciar o seu programa e avaliar da viabilidade de o cumprir ou, em caso negativo, solicitar novas eleições de modo que o País pudesse ser informado, com transparência, da real situação que teria que enfrentar, e dos responsáveis por ela. O governo não só não deu este exemplo, como procedeu de tal modo que só há lugar a uma interpretação: ter-lhe-ia “caído nas mãos” um “fundamento” que, “devidamente explorado”, sustentaria e orientaria toda a acção governativa – afinal, a que sempre desejara! -, culpabilizando sistematicamente (ainda hoje!) o anterior governo, numa atitude, e prática, da desonestidade política já referida.

3. Toda a acção governativa, desde a tomada de posse do governo, tem-se pautado pelos seguintes “exemplos: a) um constante apelo à divisão entre os portugueses, evidenciando assumida hipocrisia política, pois o seu objectivo não é governar “pelo Povo e para o Povo” – objectivos fundacionais da Democracia e do Estado de Direito! -, mas sim governar contra o Povo; b) a subserviência com que impôs o cumprimento de compromissos com os poderosos (internos e externos), quebrando com absoluto desdém os compromissos (de décadas!) assumidos com o Povo, particularmente os mais fracos e desfavorecidos, revelando uma clara cobardia política; c) a persistência com que vem roubando, e quer continuar a roubar, os pensionistas e reformados, considerados como descartáveis, num acto que constitui um verdadeiro crime político.

4. O conjunto nada edificante de todos estes actos, que têm vindo a dar forma e conteúdo substantivos à acção governativa determinam uma conclusão firme: este governo é ilegítimo!

Mas para além do governo, importa analisar outra instituição cuja acção tem que ser, num Estado de Direito democrático, crucial como fonte e exemplo de Cidadania e do exercício Ético do Poder – a Presidência da República. Vejamos então:

A. Aquando da sua reeleição, o discurso de vitória foi um discurso rancoroso, vingativo e discriminatório: não seria o Presidente de todos os portugueses.

B. A opção, legal, que fez por ser remunerado pelas suas pensões em detrimento do vencimento como Presidente da República, significa duas coisas: considera a sua pessoa acima da Função Presidencial, subalternizando o poder institucional desta; desrespeita, em absoluto, um Povo inteiro.

C. Do discurso proferido na Assembleia da República, a 25 de Abril de 2013, ressalta que apenas reconhece como “seu povo” aqueles que, mesmo sendo sistematicamente violentados, desprezados, ofendidos, roubados, humilhados, se mantêm submissos e obedientes. Todos aqueles que clamam a sua indignação perante as malfeitorias a que o governo os tem vindo a agredir, não são merecedores da sua pessoa.

D. Mais recentemente, num apelo à “serenidade”, garantiu que devíamos essa “serenidade” aos “credores que têm os olhos postos em nós”. É difícil imaginar maior subserviência!

Poderiam ser apenas tristíssimos exemplos da actuação de um “presidente” da República. Vão, no entanto, muito para além disso: são expressão concreta duma cumplicidade assumida com o governo e a sua prática governativa.

Ambos, “presidente” e governo, têm levado até ao limite da resistência o desprezo para com o Povo. Todos os exemplos da acção de ambos conduzem à mesma conclusão: não estamos confrontados com diferentes opções quanto aos caminhos a percorrer para construirmos um Futuro em que, como Comunidade, nos possamos reconhecer Dignos, Livres e Solidários; estamos, sim, perante a oposição entre o caminho de máximo bem-estar para uns poucos poderosos (cada vez mais poderosos) e o do empobrecimento, miséria e desespero da imensa maioria do Povo.

São estes os tristes, feios, execráveis, exemplos da forma como duas instituições, fulcrais num Estado de Direito democrático, dão do cumprimento de “regras que devem ser observadas e limites que não podem ser ultrapassados”, esquecendo-se – melhor, lembrando-se de se esquecerem! – que é nelas que reside, e delas tem que emanar esse “requisito essencial não apenas da defesa do Estado de Direito, mas também da defesa da imagem de prestígio e de credibilidade” (que ambos, “presidente” e governo, já não têm! ).

A subida da escadaria da Assembleia da República por parte de manifestantes das forças de segurança terá sido um acto “especialmente grave”? Eventualmente.

Mas Não constitui um Precedente! Não! É uma Consequência da inquestionável ilegitimidade com que o governo e o “presidente” da República exercem as suas funções, criando um colossal fosso de desconfiança, com ambos de um lado, e as restantes instituições nacionais e a Comunidade como um todo do outro.

E esta Consequência, e outras que porventura venham a acontecer, por mais graves, até dramáticas, que possam ser, são da total responsabilidade deste governo e deste “presidente”!

terça-feira, 29 de outubro de 2013

A Palavra e o Poder

 

 

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I

A Palavra com que o Poder nos invectiva

Agride-nos pela violência desmesurada

De que abusa para nos dizer

Que nada somos para além de simples números

Insignificantes coisas

Cujo destino é sofrermos o que devemos

Para que o Poder continue a fazer o que quer.

A Palavra do Poder é obscena

Pela forma como nos humilha, nos ofende, nos despreza.

A Palavra do Poder é sádica

Pelo conteúdo com que nos tortura, nos fere, nos exclui.

A Palavra do Poder é ignóbil

Pois tem como veículos privilegiados a mentira, a hipocrisia, a cobardia.

Mas a Palavra do Poder é também múltipla

Pois a pesporrente ganância do Poder é tanta

Que nos surgem as mais desconexas Palavras do Poder

Numa cacofonia delirantemente mesquinha

Onde as Palavras do Poder se atropelam, se desdizem, se contradizem

Sempre irrevogavelmente revogadas

Num dependismo tortuoso, invertebrado, infecto.

Vindas dos múltiplos lados do Poder

Não sabem para onde vão, nem por onde vão.

Vergastam-nos sem sentido

Para se concentrarem no ómega da sua definitiva inutilidade.

Abusadas, violadas, espezinhadas, prostituídas, desonradas

Também as Palavras nada significam para o Poder.

O Poder exonerou a Palavra

A Força basta-lhe.

II

Ah, Coração alvoroçado

Procuras o sentido dos sons que te chegam do Poder

Tentas, angustiado, desvendar-lhes causas propósitos

Mas nada encontras senão humilhação desrespeito discriminação.

Magoado, descobres-te pequenino e impotente

Perante a crueldade das acusações que sobre ti são lançadas

Sem que porquês te sejam apontados

Ferido, descobres-te nu e desarmado

Perante a imensidão das obrigações que te são impostas.

A tua inquietação pergunta-te Estarei só?

E são tantos tantos tantos os corações dilacerados

Que num repente nasce-te a certeza

De que as tuas Razões são justas

Todas as Razões de todos os corações são justas

Tal a avalanche pútrida derramada pelo Poder.

E juntas a tua voz a tantas e tantas e tantas outras vozes

E gritas bem alto a Indignação que é tua, que é de todos,

Que é nossa.

Uma vez e outra e outra ainda, já são sem conta

As vezes que ergueste o teu, o nosso brado

Levando a todo o lado o Poder das Palavras que dizem

Da Razão que é já de todos

Contra o Poder desprezível, rasteiro, ilegítimo.

Exerces, como muitos, muitos mais

O teu inalienável Direito à Indignação

Mas já tropeçaste em incompreensões, dúvidas, incertezas, erros até

Sobre o lugar em que estás, e por que nele estás

Para onde queres ir

Com quem estás

Com quem queres continuar o caminho.

Descobres, de novo alvoroçado, meu Coração

Que a Razão que tens, e o Poder da tua Palavra

Vêm da humilhação que sentes, das ofensas que te fazem

Vêm das tuas angústias, dos teus medos, das tuas inquietações

Descobres que são diferentes das de outros corações

Também humilhados e ofendidos

Também angustiados, inquietos, com medos

Mas descobres que nada nessas diferenças impede o mesmo grito

Pois o aviltamento a que o Poder te quer, nos quer, sujeitar

Não consegue destruir o que une todas as diferenças:

A Dignidade de cada um de nós.

E de novo ganhas alento

Vem, Companheiro! Vamos, Amiga!

A Razão está do nosso lado

O Coração reclama um único grito, uma única Palavra

O nosso Grito, a nossa Palavra

Indignação!

Ah, foram já tantas as vezes que gritaste, meu Coração

Tantas vezes exigiste as Palavras que transportam a tua Razão

E o Poder não verga!

De novo a angústia, o medo, a inquietação

Não estás só, é verdade

Ao teu lado mora a mesma angústia, o mesmo medo, a mesma inquietação

E reparas que os teus olhos, e os olhos de todos nós, estão febris de revolta

E os teus dentes, e os de todos nós, rangem de raiva

Porque atingiste, atingimos, o limite da Resistência.

Mas se o Poder prostituiu, desonrou, exonerou

A sua Palavra

Para escolher como seu único instrumento a Força

Então o Poder facilmente rejeitará, com ignóbil arrogância

O Poder das Palavras com que afirmas, afirmamos

Inteiros, Livres e Dignos

As Razões que os nossos Corações reconhecem como imprescindíveis

Para nos construirmos, cada um e todos, como Seres Humanos.

III

Meu Coração alvoroçado, não percas o rumo do Futuro!

Se é verdade que a Força do Poder

Levou os nossos gritos de Indignação aos limites da Resistência

Se o Poder das nossas Palavras é insuficiente contra a Força do Poder

Então que os nossos Corações convoquem as nossas Mãos

Pois elas, armadas com as nossas Razões

E Abertas, Libertas e Solidárias

Saberão agir

E construir o Futuro de que não abdicamos!

IV

É chegada a hora, meu Coração, de exerceres, de exercermos

O nosso inalienável Direito à Legítima Defesa!

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O Humano Chão Sagrado

Alentejo

Vivemos tempos complexos, prenhes de incertezas e de interdependências, em que cada situação não é a, cada problema não é o problema, cada resposta não é a resposta.

A multidiversidade das nossas circunstâncias, individuais e colectivas, exige-nos um activo e permanente diálogo, de cada um de nós consigo próprio, nos seus múltiplos eus, e com o Outro, também ele múltiplo e actuante, nas inúmeras comunidades a que pertencemos e nos sentimos pertencer.

Esse diálogo, raramente fácil e tantas vezes duro, quer-nos inteiros e livres, donos das nossas Emoções (que dão sentido à nossa Vida), das nossas Razões (que nos apontam os caminhos e as escolhas que podemos/devemos fazer), das nossas Acções/Omissões (que definem as consequências do que somos, do que queremos ser).

Esse diálogo, connosco e com o Outro, tem como base indispensável um Passado que necessitamos conhecer, compreender, criticar e aceitar. Munidos deste entendimento, podemos dar dimensão ao Presente em que estamos e somos, naquela multitude individual e colectiva a que não podemos, nem devemos, fugir.

Tendo um Passado que assumimos como nosso, olhamos para p Presente como um ponto de partida rumo ao Futuro, à Utopia. Sempre na linha do horizonte, sempre inalcançável, mas sempre inspiradora do melhor que temos em nós, para nos construirmos.

Para essa construção, porém, não é suficiente convocarmos as Emoções, as Razões, as Acções, individuais e colectivas. A Utopia não se alcança, mas o Futuro não se constrói apenas mirando-a, vogando nas nuvens do etéreo: urge darmos-lhe um chão, firme e fértil, onde possamos plantar, e ver nascer e florescer, livres i inteiros, os Afectos que nos definem como Seres Humanos.

A esse chão, tão úbere quanto exigente de permanente alimento e especiais cuidados, chamo Respeito.

É neste chão sagrado que podemos construir o Amor, a Amizade, a Solidariedade, a Liberdade. Ah, e essa ainda tão rara flor que é a Dignidade da, e na, diferença, de cada um de nós e do Outro.

É neste chão sagrado que encontramos o sentido da Vida que vivemos, integrando, inteiros e livres, a Natureza e a Humanidade, expressão incontornável da nossa condição humana. E descobrindo que a Eternidade existe e é, também ela, profundamente humana, porque habita os nossos Afectos.

Mas os tempos que vivemos são, também, conturbados, prenhes de conflitos e de confrontos, tantas vezes fatais (todas as vezes são demais!).

São tempos que nos afligem, que nos colocam dúvidas, angústias e medos.

São tempos de uma exigência extrema, colocando o diálogo de nós connosco, e de nós com o Outro, nos limites simultaneamente mais débeis e mais letais da sobrevivência, nos limites em que é imenso o risco de não nos reconhecermos e de vermos o Outro como inimigo.

São tempos em que nos é imprescindível acreditar. Não no sentido messiânico de uma qualquer fé, mas de confiar. Confiar no Outro, indivíduo ou instituição, que, também ele, ou ela, demonstra confiar em nós, em cada um de nós.

Em tempos de tamanha exigência, é imperioso lembrar que também esta Confiança releva, e se constrói, nesse mesmo chão sagrado: o Respeito.

Hoje, no meu País, os indivíduos, e as instituições, cujas Acções/Omissões deveriam ter como consequência primeira e imprescindível a Confiança – sem ela, o Presente e uma comunidade torna-se incompreensível, e o seu Futuro impossível de almejar -, alienaram todas as Razões, destruíram todos os Afectos: restam angústias, medos, indignação, revolta.

Hoje, no meu País, governantes e instituições políticas exercem o poder de forma ilegítima, pois todas as suas Acções/Omissões são levadas a cabo contra um Povo inteiro, que não respeitam.

São, por isso, politicamente insustentáveis.

Mas porque destruíram, com indisfarçável arrogância e ignóbil prepotência, o chão sagrado do Respeito em que nos devemos construir como Seres Humanos, são, também, humanamente insuportáveis.

Por exclusiva responsabilidade dos governantes e das instituições políticas, é impossível conciliar a sua manutenção com a aspiração humaníssima do Povo na construção de um Futuro Livre e Digno em que nos possamos, todos, rever.

Porque politicamente insustentáveis, e humanamente insuportáveis, o nosso Futuro como Comunidade soberana, em que o Respeito por nós próprios e pelo Outro seja uma prática inalienável, exige a demissão destes governantes e a efectiva colocação das instituições políticas ao serviço do Povo.

sábado, 17 de agosto de 2013

Technology, resonsibility, humanity

NEW SECURITY LEARNING (March 2011)

 

Technology, responsibility, humanity

by Capt. António Almeida de Moura, Portuguese Navy

Captain António Almeida de Moura of the Portuguese Navy analyses the impact of technological change on our understanding of responsibility. He argues that critical thinking will be a crucial skill in the future, marking the difference between educated machines and educated human beings.

It is scandalously obvious that our technology exceeds our humanity.
Albert Einstein

Once an army is involved in war, there is a beast
in every fighting man which begins tugging at its
chains, and a good officer must learn early on how
to keep the beast under control, both in his men
and himself. 1
General George C. Marshall, Jr.

Uncertainty, instability and insecurity are richly significant words when we want to define the world in which we live. It is our world! What are we doing to solve or, at least, understand and manage the problems inherent in these three words?

Let’s look briefly at uncertainty. A few decades ago the life cycle of knowledge was long enough for it to be acceptable to consider it as a “compagnon de route” of our life expectancy. However, the last twenty to thirty years show how right Einstein was: there has been a huge evolution in technology, with a huge impact on our lives.

In fact, a major consequence of that technological evolution is, somehow, a paradox: our life expectancy became longer and, at the same time, the life cycle of knowledge became shorter and shorter. Result: from a reasonably certain world where we learn for life, we fall into an uncertain world where we have a life to learn.

This is just one example of the dialogue between certainty and uncertainty but it is meaningful enough to sustain a first conclusion: the fast evolution of technology doesn’t allow the maintenance of any kind of “status quo” (whether it be political, economic, scientific, social, educational, communicational), because everything changes rapidly, drawn by that technological challenge.

Evolution within each one of these areas (systems) demands new answers from technology. That is, uncertainty becomes the cause and effect of the evolution of technology; answers became just possible answers (not the answer, not even the better answer), within an inter- and multidisciplinary “way of life.” Uncertainty has become complexity, demanding higher levels of adaptive skills.

And what about instability and insecurity? These were the key words of the “Strategic Concept for The Defence and Security of Members of The NATO”, defined in Lisbon, 2010, which considered a wide range of threats against nations, communities and people – proliferation of nuclear weapons and other weapons of mass destruction; terrorism and extremism; trans–national illegal activities (trafficking in arms, narcotics and people); cyber attacks; attacks against vital communications, transport and transit routes; etc.

Owing to this complex, unstable and insecure environment, “NATO will actively employ an appropriate mix of political and military tools to help manage developing crises that have the potential to affect Alliance Security, before they escalate into conflicts; to stop ongoing conflicts where they affect Alliance Security; and to help consolidate stability in post-conflict situations where that contributes to “Euro – Atlantic Security” (NATO Strategic Concept, 2010). The Strategic Concept makes clear that the Alliance still has three essential core tasks to fulfil: collective defence, crisis management and cooperative security.

So, this is our world: uncertain, unstable, insecure, complex, and demanding from us high levels of adaptive, cooperative and collaborative skills.
Actually, we are not alone. But, who are we?

According to the “Council of Europe Recommendation 1742 (2006) on human rights of members of the armed forces”, military personnel serve in an institution “which is responsible for protecting the state and defending the community. Combat is its “raison d’être”, the very purpose of its existence, and it is bound by specific constraints of rules regarding unity, hierarchy, discipline and compliance with orders.”
Furthermore, this Recommendation “considers that members of the armed forces are citizens in uniform who must enjoy the same fundamental freedoms … as any other citizen …”

Considering that the armed forces are actually engaged in various missions “other than war”, it is important to underline that often military personnel in operational theatres have to act as a “psychologist, social councellor, community animateur, development agent, being always prepared to use force in limited situations.” 2

Such a complex environment requires from military personnel much more than following standard procedures and traditional rules, or having the consistent ability – competence – to use all kinds of advanced technology. In fact, they “… will have to be nimble physically, mentally, socially, and emotionally – and have strength of both character and competence.” 3

Why? Because we have to make our own choices and be responsible for those choices and their consequences. Standards and rules give us important guidance but only up to a certain point, beyond which ethical attitudes are required.

Actually, if this is meaningful to citizens in uniform, it is true for civilians as well: nations, communities and peoples must “deal responsibly with the problems we currently face as members of an interdependent world.” 4

In other words: the problems we are dealing with as citizens of our world are human problems, not technological problems. Technology can (must!) help us solve our human problems, but just as a means, an instrument, a tool, that we have to manage properly.

The problems we are dealing with as citizens of our world are human problems, not technological problems. Technology can (must!) help us solve our human problems, but just as a means, an instrument, a tool, that we have to manage properly.

Thus, what can we do?

Taking into account that “Without support from suitably educated citizens, no democracy can remain stable” 4 and that “All soldiers have to have the ability to think critically and act resolutely” 3, it is possible to identify the “key words” that will support and sustain our pursuit of human solutions for our human problems: education and critical thinking.

So, we can put these words together and create a concept capable of being implemented in our schools:

This is a learner centred model, adapted from the one used by CNED 5, the Portuguese Navy’s Centre for Distance Learning, in which autonomy means the ability to make choices; independence means the capacity to assume those choices; and responsibility means the capacity to act in accordance with those choices and to assume the consequences of the related actions.

Autonomy means the ability to make choices; independence means the capacity to assume those choices; and responsibility means the capacity to act in accordance with those choices and to assume the consequences of the related actions.

Higher levels of education lead to deeper levels of knowledge, enabling more options, more ability to innovate (find new instruments to solve problems), using higher levels of creativity (find new ways to solve the same problem in different circumstances or actively face an unexpected problem).

Critical thinking is crucial to sustain effective responsibility and to humanise knowledge and technology (bringing them back to the human side of the world).

Critical thinking is a fundamental factor in defining and building a possible human future, because it makes the difference between educated machines and educated citizens.

Is this just a theoretical exercise, far away from our real world?

Or is it a meaningful challenge?

Through education we build our autonomy (to make our own choices) and our independence (to assume our choices);

By critical thinking we support responsibility. And this means that being responsible is a human attitude;

In this sense, a responsible attitude recognizes two essential values, respect and integrity, at both levels, the self and the other. And this means that responsibility requires ethical behaviour;

Different levels of education correspond to different levels of knowledge, creating different capacities to make choices (levels of decision making) and implying different levels of responsibility;

Within an institution, namely in the armed forces, a hierarchy of levels of responsibility corresponds to a hierarchy of levels of decision making (levels of power)

The relationship between these two hierarchic systems should be based on ethical attitudes. In other words, to an ethical exercise of power (decision making) should correspond a disciplined acceptance of orders. In this sense, leaders and soldiers should feel themselves respectable and respected in their integrity, all embedded in the accomplishment of their mission.

It is, in fact, a real challenge. Do we want to face it?


  1. Cited by Major Douglas A. Pryer, U.S: Army, “Controlling the Beast Within. The Key to Success on 21st – Century Battlefields”, in Military Review,  Jan/Feb 2011
  2. Translation from the Portuguese Minister of Defence  article “A Defesa e a Segurança são Questões Instituicionais” (Defence and Security are Institutional Issues), in Segurança e Defesa (review), Oct/Dec 2010
  3. LtC Joe Doty, Ph. D., U.S. Army and Major Walter Sowden, U.S. Army, “Competency vs Character? It Must Be Both!”, in Military Review Nov/Dec 2009
  4. Martha C. Nussbaum, “Not For Profit. Why Democracy Needs The Humanities”, Princeton University Press, 2010
  5. Centro Naval de Ensino a Distância (Naval Center for Distance Education, Portuguese Navy)

terça-feira, 30 de julho de 2013

A Toponímica como Ideologia Política

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“Declaração de Interesses”: não acredito em coincidências em política.

Posto o que dei por mim nesta “atribulada reflexão” quando, num recente passeio nocturno com o meu cão, comecei a olhar para os nomes das ruas e largos por onde ia passando. Vejam lá o resultado:

1. Largo das Necessidades. Ora, é aqui que mora o Ministério dos Negócios Estrangeiros! Nada mais apropriado, pois as “nossas” necessidades sempre dependeram (dizem-nos…) dos estrangeiros, nomeadamente no que respeita a negócios…

2. Tapada das Necessidades. É do mais comum bom senso que as necessidades se satisfaçam com adequado recato, o que está garantido em local “tapado”. E recato que igualmente se aplica aos negócios, devidamente “tratados” em lugares aprazivelmente contíguos, pois além do segredo, nada melhor para alcançar o sucesso, ou a satisfação da necessidade, do que a rapidez na consumação do acto.

3. Rua das Necessidades. Desagua no Largo das Necessidades, vinda de um … Hospital! Será a necessidade transformada em urgência, situação que retrata com especial desvelo as “maleitas” de que, dizem, padecemos, e para cuja “cura” os estrangeiros nos são essenciais.

4. Calçada das Necessidades. Tem extrema importância o estudo aprofundado e rigoroso, com “conhecimento de causa”, dos diversos tipos de necessidades que nos afligem, como os diagnosticar, como lhes dar remédio, com a ajuda preciosa de estrangeiros sabedores e experientes, e resguardados de olhares indiscretos, malévolos e invejosos, para conseguirmos uma apropriada defesa contra “necessidades inúteis”, ou “receitas contraproducentes”. É com esta prestimosa missão, amparado pelo resguardo da Tapada, e “paredes-meias” com os “Negócios Estrangeiros”, que o Instituto de Defesa Nacional “habita” a Calçada das Necessidades, dando diárias provas de incansável atenção e preocupação preventiva, por influência determinante do facto de a Calçada ter sentido único e sempre a subir…

5. Travessa das Necessidades. Constitui um outro ponto de saída do Hospital, mas conduz inexoravelmente (também por sentido único) aos “Negócios Estrangeiros”.

6. Travessa do Tesouro. Localização verdadeiramente inesperada, mas “compreensível”. Tem a sua “foz” entre a Rua das Necessidades e o Largo das Necessidades. É um trajecto muito curto, de sentido único e sempre a descer, com grande inclinação, requerendo extremo cuidado no seu uso.

7. Rampa das Necessidades. Constitui um prolongamento (íngreme) da Travessa do Tesouro. Dando razão à necessidade de um uso muito cuidado da Travessa, desagua ferozmente num Largo dito do 31…da Armada…

Aqui chegado, reparei que a conclusão da minha “atribulada reflexão” sobre a toponímica e a sua “relação” com os severos tempos que vivemos, era uma conclusão “triste e feia”. E não é que:

8. Rua Triste Feia. Fica a 100 metros do Largo das Necessidades!

Foi então que tive uma epifania: eu, que não sou crente, dei por mim a “perceber” por que razão a nossa governação bi-acéfala mora num lugar “sagrado” – S. Bento – e num lugar “bíblico” – Belém!

Tenho que rever a minha “Declaração de Interesses”! Ou não…

domingo, 28 de julho de 2013

Aniversário

Caríssimos/as, aqui fica o meu Obrigado pelas vossas palavras amigas:
De repente, da lonjura da distância
Ou do tempo ditatorial do imediato
Ou das circunstâncias em que nos dizemos
E contradizemos
De repente, um gesto um pequeno gesto tão enorme
"Parabéns, Amigo".
E ficamos em modos de assim
Com esta certeza firme de que foram rejeitadas
Todas as lonjuras
Da distância do tempo das circunstâncias
Porque a Amizade é determinantemente urgente
E convoca a Alegria de um beijo de um abraço.
O meu modo de assim é este
A Amizade é um privilégio meu
Em que dou tudo o que tenho tudo o que sou
Para a merecer.
Um beijinho, um abraço.

COMPROMISSOS E CONSENSOS: DE QUE FALAMOS?

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Duas palavras têm sido, por estes dias de chumbo, bastas vezes usadas por políticos, comentadores, jornalistas. Têm-no sido em particular pelo “presidente” da República. São elas Compromisso e Consenso.

Que conceitos encerram estas duas palavras? Se consultarmos o Dicionário encontramos:

Compromisso – “obrigação mais ou menos solene assumida por uma ou diversas pessoas; acordo político; promessa solene de peritos, intérpretes, tradutores, testemunhas e jurados de que cumprirão os seus encargos, nas lides em que intervêm, com verdade e dignidade plenas.”

Consenso – “concordância ou uniformidade de opiniões, pensamentos, sentimentos, crenças, etc., da maioria ou da totalidade dos membros de uma comunidade; uma das maneiras de se deliberar em assembleias, conselhos, etc., que ocorre quando não há objecções ou argumentos contrários ao que se está a propor.”

Embora não explicitamente definido nestes conceitos, nada proíbe – bem pelo contrário, tudo impõe! – que ambos se apliquem a objectos e visem objectivos que envolvam a vida das pessoas, quer em termos individuais, quer em termos colectivos.

Que valor efectivo têm estes dois conceitos para quem os tem reiteradamente usado, com especial insistência nas últimas semanas?

Vejamos alguns exemplos dos casos mais relevantes, pelas consequências que da prática adoptada resultaram e resultam:

1. Governo: a) Apresentou-se ao eleitorado com um programa de acção governativa que se comprometia a cumprir, caso vencesse as eleições. Venceu as eleições, mas abandonou ostensivamente aquele programa, substituindo-o por outro não sufragado pelos eleitores. Não cumpriu o compromisso. b) Comprometeu-se a governar em nome e para todos os portugueses. No entanto, desde que tomou posse não cessou de promover a divisão entre os portugueses, pondo uns contra os outros, e remetendo os ovéns para a emigração. Não cumpriu o compromisso. c) Defendeu que os compromissos têm que ser não só respeitados, mas escrupulosamente cumpridos. Porém, não se coibiu de fazer tábua rasa das obrigações de décadas assumidas em relação a milhões de pensionistas, aposentados e reformados. Não cumpriu o compromisso.

2. Presidente da República: a) Durante a campanha eleitoral afirmou que seria o Presidente de todos os portugueses. Mas no discurso de vitória, excluiu desde logo todos os que, num confronto democrático e livre, se tinham manifestado contra si. Não cumpriu o compromisso. b) Escolheu ser remunerado pelas suas pensões, rejeitando explicitamente o vencimento inerente à Presidência da República. Este acto, conquanto legal, corresponde incontornavelmente ao completo esvaziamento político da Função Presidencial. Desrespeitou o País perante o qual tinha jurado ser o Supremo Magistrado. Não cumpriu o compromisso. c) No discurso proferido no dia 25 de Abril passado, dividiu os portugueses, louvando uns – os mansos, cordatos e obedientes – e ameaçando outros – os que, vítimas de gravosas condições de vida impostas pelo governo, se manifestavam contra o rumo que o País seguia. Não cumpriu o compromisso.

Porquê estes sucessivos incumprimentos de compromissos solene e formalmente assumidos?

A resposta pode ser encontrada nas intervenções do “presidente” da República, do governo e dos partidos da coligação governamental, por um lado, e, por outro, as de todos os outros partidos (com ou sem assento parlamentar), com a expectante excepção do Partido Socialista.

De facto, não é apenas agora qua acontecem estes incumprimentos de compromissos assumidos por quem tem (tem tido) responsabilidades de governação. Não por acaso, o “presidente” da República pretendeu obter um “consenso alargado” e um “compromisso” que envolvesse apenas os três partidos que têm partilhado a governação do País desde 1976 – CDS/PP, PSD e PS – ao mesmo tempo que “se lembrava de se esquecer” que o objecto e os objectivos desse “consenso” e desse “compromisso” só teriam legitimidade se solene e formalmente assumidos com o outro lado interveniente de corpo inteiro: os portugueses, todos!

O “memorando da troika”, apresentado como interveniente crucial, é, no entanto, apenas o pretexto actual que poderia (pode?) unir estes três partidos – porque são estes, e o “presidente” da República; os responsáveis maiores pelas causas que nos conduziram à situação de degradação social e humana, e de humilhação internacional, que sofremos.

Procurando encontrar uma razão lógica que torne pertinente uma interpretação destes factos, surge-nos esta “simples” resposta: é muito mais fácil assumir, respeitar e cumprir compromissos, e estabelecer consensos, quando o objecto em causa, bem como o objectivo a atingir, se reduzem a meros interesses, dirimidos pela força se e quando conflituam entre si. (Releve-se que, com as sucessivas e dramáticas exclusões que têm vindo a constituir a prática da acção governativa – nível de desemprego galopante; 20% da população no patamar da pobreza; fome, em especial nas crianças; índices de suicídio e de isolamento crescentes; escandalosa “exportação” da geração mais qualificada de sempre; ao mesmo tempo que a riqueza de poucos aumenta exponencialmente; a corrupção é visível; a fuga, impune, aos impostos é obscena e atinge montantes insultuosos: mais de 30 mil milhões de euros – é impossível identificar-se algo que possa considerar-se como “interesse nacional”.)

De facto, compromissos e consensos que tenham por objecto Valores e Princípios e por objectivo a concretização e consolidação desses Valores e Princípios são muito mais exigentes e comprometedores.

Os compromissos solene e formalmente assumidos por quem é Governo e por quem é Presidente da República, são-no perante e sob a Constituição da República.

E sendo-o, fica também claro o motivo por que quer o “presidente” da República, quer o governo, quer o CDS/PP, quer o PSD, “odeiam” a Constituição: não por ela ser “programática” (como insistentemente afirmam), mas sim por ela definir os Valores e Princípios, e impor o seu cumprimento, nos quais os portugueses se reconhecem como uma Comunidade com um Passado, um Presente, mas sobretudo, um Futuro que desejam Livre, Solidário e Comum.

O “presidente” da República excluiu do compromisso perante o Futuro os portugueses, os restantes partidos com assento parlamentar – PCP. BE, “Os Verdes” -, e todos os outros partidos não representados na Assembleia da República? Não, limitou-se a excluí-los dos “compromissos” e “consensos” baseados exclusivamente em interesses (não o “interesse nacional”, mas interesses privados, alguns privadíssimos, todos obscuros), e que, “casualmente” se consubstanciam no “compromisso com a troika”.

Estes partidos – PCP, BE, “Os Verdes”, todos os outros sem assento parlamentar – não exerceram, desde 1976 até agora, responsabilidades de governação. Têm toda a legitimidade para reclamarem que os compromissos e consensos que possam vir a protagonizar se basearão em Valores e Princípios , exactamente o contrário do que, demonstradamente, este “presidente “, este governo, o CDS/PP e o PSD fizeram, fazem, e pretendem continuar a fazer.

Curiosa é a posição do PS: sendo conivente no assumir dos “compromissos” e “consensos” que os trouxeram até aqui, num rodopio de interesses que nada têm a ver com um eventual “interesse nacional”, sente-se confrontado com a necessidade de alterar esta atitude. Como irá resolver esta “angústia existencial”, se demonstra um imenso pavor diante de partidos que, até prova em contrário, se mantêm firmes, desde sempre, na defesa dos Valores e Princípios inscritos na Constituição da República?

A CONDIÇÃO MILITAR, O PODER MILITAR E O PODER

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“Juro, como português e como militar, guardar e fazer guardar a Constituição e as

Leis da República, servir as Forças Armadas e cumprir os deveres militares. Juro

Defender a minha Pátria e estar sempre pronto a lutar pela sua liberdade e

Independência, mesmo com sacrifício da própria vida.”

-

Este juramento, prestado pública e solenemente por cada um, e por todos os militares é, dos pontos de vista Ético, Moral, Político e, sobretudo, Humano, o acto fundacional da Condição Militar.

Dele derivam diversos diplomas legais – “Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar” (Lei 11/89); “Estatuto dos Militares das Forças Armadas” (DL 236/99; DL310/2007), entre outros – que identificam direitos e deveres dos militares, bem como circunstâncias, acções e responsabilidades, do uso do Poder Militar, quer de quem executa, quer de quem decide.

Dito assim, parece fácil entendermo-nos quanto ao que é a Condição Militar, sua forma e seu conteúdo. Será?

Num mundo plural, instável, inseguro, complexo e cada vez mais interdependente, dentro de uma rede de relações e interacções múltiplas e diversíssimas, nas suas formas e substâncias, origens e consequências, é imperioso que nos entendamos desde o princípio. Que neste caso, com em tantos outros, demanda-nos uma escolha clara, inequívoca, sobre as palavras que usamos e o significado que lhes damos.

No caso da Condição Militar, e do seu acto fundacional, é decisivo determo-nos nestas duas componentes, clarificando a relação entre ambas: 1) “Guardar e fazer guardar”; 2) “Mesmo com sacrifício da própria vida” .

O significado que mais geral e comummente damos à palavra “guardar” é o de “preservar”, “manter”, “colocar em local apropriado”. Não é aceitável – seria insultuoso até! – que alguém jure o sacrifício da própria vida para “manter numa gaveta “ algo!

Poder-se-ia ir um pouco mais longe e afirmar que o significado mais correcto para “guardar” (neste caso concreto) seria o de “respeitar”. Acontece, porém que “respeitar” não implica necessariamente uma atitude activa: podemos respeitar algo ou alguém sem que para isso ultrapassemos um distanciamento passivo. É, pois, redutor, inadequado, limitar o sacrifício da própria vida a “deixar-se matar por algo ou alguém”.

Resta, assim, o significado assumido individualmente por cada militar no juramento que faz: “Guardar e fazer guardar” é “Cumprir e fazer cumprir”.

Importa relevar que é precisamente este o significado que a comunidade dá e exige, ao juramento feito pelos militares. E que “pelos militares”, demonstra que a comunidade olha para os militares como um todo, como Forças Armadas, antes de considerar a atitude ou acção deste ou aquele militar, individualmente.

Isto é, os militares são vistos como um poder o -poder militar - posto ao serviço da comunidade, da defesa da sua soberania, da sua independência, tendo em conta que soberania e independência expressam a vontade dos membros da comunidade construírem um futuro comum, de sua livre escolha, onde níveis de bem-estar e de felicidade sejam atingidos, mantidos e usufruídos por todos.

Mas este poder - o poder militar- é, no limite um poder baseado exclusivamente na força, percebida enquanto acção ou possibilidade de acção (isto é, dissuasão).

Uma comunidade, qualquer que ela seja, necessita de se sentir forte e em segurança para construir o futuro que se deseja comum. Mas não pode basear essa construção – a não ser quando opta pela acção conquistadora – apenas na força. Terão que ser outros factores, os Valores, em que deve assentar esse futuro.

E eles estão plasmados, pelo menos nos países que se reclamam como democráticos, nas suas respectivas Constituições. Estas, sejam elas mais ou menos pragmáticas, impõem explicitamente a igualdade dos cidadãos perante a lei, como factor imprescindível para assegurar a todos o direito à Vida, à Felicidade, à Dignidade e a um nível de Bem-Estar individual e colectivo demonstrativo da não-descriminação seja ela por que motivo for. É o que expressa a nossa Constituição.

Nesta perspectiva, o poder militar subordina-se, inquestionavelmente, ao Poder do Estado, sendo este a representação política do Poder da comunidade, exercido através de organizações (instituições) públicas e privadas que, nas suas competências e objectivos, satisfazem as necessidades de bens e serviços da comunidade, de acordo com regras –l eis- reconhecidamente válidas por todas as partes.

Porém, num mundo que nunca foi pacífico e que, hoje, continuando a ser instável, inseguro e perigoso, desenvolve, em permanência, crescentes graus de complexidade, de interdependência, de rede interactiva, qualquer que seja o campo de actividade humana, este Poder de Estado é, ele também, cada vez mais complexo e intricado nas suas circunstâncias, acções (e omissões) e responsabilidades.

De facto, este Poder de Estado reúne, em si próprio, componentes tão diversas como o poder politico, o poder ideológico e religioso, o poder económico e financeiro, o poder judicial, o poder da comunicação, informação e propaganda, o poder do conhecimento e da ciência.

Das suas interacções, contraditórias as mais das vezes (porque humanas), resultam as acções (e omissões) governativas, e os seus resultados. Mas estas acções e seus resultados não são inócuos para a comunidade. É delas, e deles, que depende, em grau superior, o sentimento, partilhado por todos, de pertença a uma mesma comunidade, gerador da confiança indispensável à construção do desejado futuro comum.

Mas quando um desses poderes assume manifesta preponderância sobre todos os outros, fica aberto o caminho para a prepotência, o arbítrio, o autoritarismo, o privilégio de alguns (os detentores desse poder preponderante) e a submissão da maioria. Quando tal acontece - e pode acontecer por factores internos, externos, ou ambos- a confiança dos membros da comunidade no Poder degrada-se, perde-se. Ganha o individualismo básico da sobrevivência. Com o poder da força – Poder Militar – a ser visto: pelos detentores do Poder, como último recurso para impor os seus desígnios, quando a Lei e a Propaganda se revelam infrutíferas; pelos cidadãos, como factor de produção de medo colectivo.

Hoje no nosso País, é iniludível a preponderância assumida pelo poder económico e financeiro, sustentado em factores internos e externos. Esta preponderância já nos conduziu a um violento estado de degradação social; de total perda de confiança nas instituições (públicas e privadas) e, sobretudo, nos governantes; de desesperança; de desespero. Não há futuro em que a comunidade acredite e pelo qual se disponha a lutar. Não há Bem-Estar, nem perspectivas de Felicidade. Não há, sequer, um sentimento individual de Dignidade.

Tudo isto foi alienado pelo poder económico e financeiro, sobrepondo-se violentamente ao poder politico, ao poder ideológico e religioso, ao poder do conhecimento e da ciência, usando despudoradamente o poder da propaganda para dividir, para mistificar, para distorcer, para manipular, e dominando o poder judicial, mantendo-o fortemente selectivo. O Poder é, assim, exercido contra a comunidade, porque os seus objectivos nada têm a ver com o Bem-Estar, a Felicidade, a Dignidade, o Futuro comum desejado pela comunidade. Pelo contrário, os seus objectivos são egoístas, amorais, apátridas e de alcance imediato. Nada têm a ver com Valores Humanos, têm tudo a ver com interesses individualistas exclusivamente materiais.

E se são estas as circunstâncias internas, as externas são ainda mais preocupantes. De facto, a União Europeia, usando fortíssimos meios de propaganda, apresenta-se com o desígnio da construção de um espaço de Cidadania plena, livre, democrática, solidária, onde as actuais e futuras gerações desejem viver acreditando que, por entre os escolhos, dúvidas e perigos intrínsecos à vivência de qualquer sociedade humana, estarão a ser percorridos os caminhos que conduzirão, também à garantia do direito à Vida, à Felicidade, à Dignidade e ao Bem-Estar individual e colectivo. No entanto, aquilo que podemos constatar, sem qualquer esforço, é uma realidade muito diferente: trata-se, simplesmente, de uma luta pelo Poder, com o poder económico e financeiro a sobrepor-se a todos os outros, e a utilizar todos os meios – mesmo os obscuros, e até ilegais – para alcançar esse Poder.

Todas as contradições a que pudemos assistir – e sofrer as respectivas consequências! -, e a que continuamos a assistir são prova cabal desta luta, que nada tem a ver com os interesses mais profundos dos povos. (O último exemplo dessa despudorada luta é o “passa culpas” entre o FMI e a Comissão Europeia acerca dos erros tremendos – em si mesmos, mas sobretudo nas suas criminosas consequências!- cometidos em relação à Grécia. Quantos não terão sido, e estão a ser, cometidos em relação a Portugal, à Irlanda, à Espanha, à Itália?).

Nesta situação, onde fica o poder militar? Onde fica a Condição Militar? Qual o sentido do sacrifício da própria vida, que é fundacional da Condição Militar? Perante quem, ou o quê, é feito o juramento militar?

Creio que as respostas a estas perguntas poderiam encontrar-se nas respostas dos Chefes Militares a estas outras questões: 1) Se o poder económico e financeiro se sobrepôs a todos os outros, exercendo, de facto, o Poder, isso significa que as Forças Armadas se lhe submeteram também? 2) Ainda serão Forças Armadas, ou serão já forças de regime? Em trânsito para privatização? 3) Sendo a Lealdade um Valor imprescindível aos militares, os Chefes Militares são, hoje, prioritariamente leais aos seus subordinados, ou a este novo Poder?

Creio ainda que as respostas a estas perguntas são necessariamente urgentes. Por uma outra razão, para além das acima expostas: o avanço da ciência é enorme e imparável. Com duas consequências imediatas, também a nível militar: essa evolução exige níveis cada vez mais elevados e consistentes do conhecimento científico; a transmissão e partilha do conhecimento e da informação é em rede, sem fronteiras. Estes dois factos colocam ao poder militar uma urgência de carácter simultaneamente estrutural e ético: não é mais possível manter o velho paradigma da obediência cega dos militares. Hoje, mais do que nunca – porque a Inteligência “tomou de assalto” o mundo em que vivemos! – é imprescindível reconhecermos a importância decisiva do que Bertrand Russell afirmou, em 1938: “Uma atitude de obediência, quando é exigida aos subordinados, é hostil à inteligência”.

A Condição Militar passa incontornavelmente por aqui.

DICIONÁRIO, UM INSTRUMENTO SUBVERSIVO

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Pegamos num jornal, seja diário ou semanário, generalista ou temático, nacional, local ou internacional; ou numa revista, mesmo as designadas “cor-de-rosa”; ligamos a rádio, a televisão, qualquer emissora, qualquer canal; entramos numa livraria; por todo o lado nos surgem três palavras cuja magia nos cativa, como se contivessem uma resposta miraculosa às nossas angústias, dúvidas, medos, trazidos pela profunda crise que vivemos: Produtividade, Inovação, Criatividade.

Constituirão elas, no entanto, de per si ou no seu conjunto, as respostas que ambicionamos para darmos corpo ao nosso desejo de um Futuro Digno?

Não o creio. Porquê? Porque Produtividade, Inovação, Criatividade são apenas factores (embora essenciais) da que, sim, conterá a verdadeira resposta que buscamos: Competitividade!

De facto, é esta palavra que, dizem-nos, aglutina em si todas as virtudes que nos farão sair da profunda crise em que estamos mergulhados, senão afundados.

E o que é a Competitividade? É tão só – e tanto! – a capacidade para competir, para participar numa competição. Sendo que Competição, diz o Dicionário, é “Concorrência a uma mesma pretensão por parte de duas ou mais pessoas ou grupos, com vista a igualar ou esp. a superar o outro; reivindicação simultânea do mesmo poder, etc.”.

Vamos então competir. Com o Outro, sejamos nós, seja o Outro, um indivíduo, um grupo, uma empresa, um país. Onde, então, o palco ou arena em que se desenrola essa competição?

Por tudo o que nos dizem os jornais, rádios, televisões, políticos, académicos, pensadores e, sobretudo, os “catedráticos de tudologia”, a crise é global, porque vivemos “globalizados”: os nossos vizinhos não são apenas “o sr. Carlos do 3º Esq.”, ou a “D. Maria do prédio em frente”, ou a “menina Gestrudes da rua de cima”; os chineses (mil e quinhentos milhões!), os indianos (mil e trezentos milhões!), os australianos, sul-africanos, americanos, esquimós, bosquimanos, iranianos, sauditas,…, são nossos vizinhos!

Que palco ou arena pode conter tantos competidores?

Apenas um, dizem-nos a uma só voz, os jornais, rádios, televisões, políticos, académicos, pensadores, e, claro, os “catedráticos de tudologia”: os “Mercados”! Porquê? Porque os “mercados” são o único palco que comporta a imensa pluralidade e a tremenda diversidade que nós somos, mesmo sendo vizinhos uns dos outros, todos de todos:

Mas, sabemos desde tempos imemoriais, uma competição tem que ter regras, critérios, normas, que permitam aos concorrentes darem o melhor da sua capacidade competitiva para, havendo um mesmo objectivo a alcançar, o melhor deles o alcance antes de todos os outros. Como conciliar esta necessidade definidora da competição – regras e critérios reconhecidos e partilhados por todos os concorrentes -, quando a nossa pluralidade e a nossa diversidade tendem para o infinito?

Tomando a palavra, os “mercados” proclamam, do alto da sua sabedoria (porventura seguindo a visão iluminada dos “catedráticos de tudologia”…): “Não Há Regras!”. Acrescentando, desde logo, e com manifesta intenção de clarificar o conceito: “Não Há Alternativas!”.

Quer isto dizer que a palavra-chave que acompanha a Competitividade no palco dos “mercados” é Desregulamentação!

O que diz o Dicionário desta palavra Desregulamentação? Diz que é “Eliminação das regras, das normas (esp. governamentais) para qualquer instituição ou corpo colectivo; eliminação das disposições governamentais que normatizem a execução de uma lei, de um decreto, etc.”.

É, portanto, uma Competição sem Regras!

Mas como podem, assim, os “mercados” existir, agir, exercer o seu múnus?

Afirmam os “mercados”, sapientemente: “Somos apátridas, porque somos filhos e pais da globalização. E somos amorais, porque sim!”.

De Apátrida dirá o Dicionário: “Que ou o que se encontra oficialmente sem pátria”. Será pertinente interpretar-se esta definição como correspondendo a alguém ou algo que não pertencendo a lugar nenhum, pertence a todos em simultâneo. E de Amoral dirá: “Que se mantém exterior ao julgamento ou qualificação moral”. E acrescentará, invocando a subjacente Amoralidade: ”Ausência de princípios morais”.

Definitivamente, a Competitividade no palco dos “Mercados” exerce-se através de uma Competição sem Regras e sem Princípios.

Numa competição deste tipo, o único critério que resta é o da Força. Mais ou menos “pura e dura”, mais ou menos “subtil e “soft””, este único critério aliena por completo as componentes da Competitividade apontadas acima - Produtividade, Inovação, Criatividade - , colocando o poder da decisão da Competição exclusivamente no mais forte.

Por outro lado, é este mesmo critério único que permite aos “mercados” explorar toda a sua surpreendente plasticidade para agir sem regras e sem princípios para alcançar os mais elevados “ganhos competitivos”: quando os resultados obtidos são positivos, é a amoralidade e a desregulamentação que prevalecem; mas se, eventualmente, os resultados e apresentam negativos, então reclamam-se ferozmente “patriotas” e “intransigentes defensores de regras duras” (como forma de imporem o retorno imediato à positividade dos resultados).

Os “mercados” dão, assim, o “salto” da amoralidade que os define (nas “vitórias”) para a imoralidade que assumidamente praticam (nas “derrotas”).

Recorrendo de novo ao Dicionário, vemos que diz de Imoral: “Contrário à moral, às regras de conduta vigentes numa dada época ou sociedade; que ou indivíduo que afronta ostensivamente as convenções e conveniências morais e sociais.”. E de Imoralidade diz: “Conduta ou comportamento que não se pauta pela moralidade; cinismo; dissolução.”.

Depois de duas semanas em que vimos a política e os seus principais protagonistas descerem todos os degraus da moral e da decência pública – afirmações irrevogáveis diariamente revogadas; dissimulações simuladas; imposições “democráticas” de um presumido poder único; provando que vivemos na era do “dependismo”, em que tudo depende de um preço de compra e venda, até as atitudes! – urge colocar a questão: o Povo, como Comunidade, faz parte, ou não, dos “mercados”? Afigura-se legítimo responder que, não fazendo parte, nada terá a ver com os problemas dos “mercados”, quaisquer que eles sejam; mas se fizerem parte, nada impedirá idêntica atitude amoral e igual prática imoral.

Ora, uma Comunidade, por mais plural e diversa que seja, organiza-se e regula-se por forma a que os cidadãos vizinhos que a ela pertençam, ou queiram pertencer, possam ter uma perspectiva de Futuro que lhes seja comum, em que todos se revejam e reconheçam na inquestionável Dignidade individual e colectiva, independentemente de quais sejam as diferenças contidas nessa plural diversidade.

Porém, pudemos constatar nestas duas últimas semanas que, quer o “presidente” da República, quer o governo, se submeteram aos “mercados”, integrando-se – e pretendendo integrar toda a Comunidade – numa competição sem regras e sem princípios, com a Força como único critério para avaliar atitudes, acções (ou omissões), e resultados.

É, pois, pertinente, colocar em confronto com esta situação – de clara ausência de Valores e de Princípios -, o juramento que os militares fazem (e com eles as Forças Armadas) de sacrifício da própria vida, sob e perante, exactamente, Valores e Princípios que constituem o cimento que une os cidadãos e sustenta a sua vontade desse Futuro comum. Porquê? Porque, como escreveu Eduardo Lourenço, “as Forças Armadas não são nem podem ser, numa perspectiva de normalidade política, fonte de Poder político. Mas igualmente, não são nem devem ser instrumento de um Poder que não incarne de maneira cabal, ou admita como tal, a vontade e o interesse nacional.”.

Releve-se, no entanto, que invocar o designado interesse nacional sem uma adequada e imprescindível clarificação do conceito, quando o País é o mais desigual da União Europeia, e quando “meia dúzia” de rapaces adeptos fundamentalistas dos “mercados” não cessam de “exportar” muitas dezenas de milhares de milhões de euros, será insultar, mais uma vez, um Povo inteiro.

E não é sequer suficiente para esconder que o que verdadeiramente está em causa, hoje e aqui: a destruição simultânea da Democracia e do Estado de Direito, e a sua substituição por algo sem Valores, sem Princípios, sem Regras, onde o único critério que prevalece é o da Força, um estado onde apenas o mais forte tem direito à Liberdade (Rainer W. Fassbinder).

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domingo, 23 de junho de 2013

O Meu Testemunho


Não sou professor. Mas, como director do Centro Naval de Ensino a Distância, trabalhei com dezenas de professores e professoras: um privilégio meu, que me honra, e de que não abdico.
Durante cinco anos e meio pude constatar que deram o seu melhor para cumprirem a sua missão - Ensinar. E fizeram-no com sucesso indesmentível, reconhecido interna e externamente, a nível nacional e a nível internacional.
Houve falhas, erros, dúvidas, contradições? Sem dúvida, a começar pelas minhas. Mas os professores sempre souberam superá-las, ultrapassá-las, com um desempenho consistentemente elevado. Sim, porque só os idiotas e os canalhas, não falham, não erram, não têm dúvidas, não têm contradições.
Participei na manifestação de ontem, no meio de muitos milhares de professores. E constatei, mais uma vez, a Dignidade e a Verticalidade que os professores colocam na defesa da Educação e da Escola Pública. E pude confirmar que os professores estão bem conscientes de que a luta que travam vai muito para além dos aspectos apenas profissionais, por mais relevantes que os sintam, e o sejam de facto.
É uma luta pela Cidadania de corpo Inteiro, Vertical e Livre, onde o medo e a subserviência não tenham lugar, onde todos sejamos capazes de entender e de reconhecer, em palavras e actos concretos, que o Outro exige o direito de ver, e sentir, a sua diferença, qualquer que ela seja, respeitada em toda a sua Dignidade.
José Saramago disse que "O heróico num Ser Humano é não pertencer a nenhum rebanho".
Bertrand Russell disse que "Uma atitude de obediência, quando exigida aos subordinados, é hostil à inteligência".
A luta dos professores faz destas palavras princípios orientadores da sua acção perante, mas sobretudo com, os seus alunos.
Exactamente o oposto do que é desígnio político deste governo: "coisificar" um povo inteiro, banindo a Inteligência e reduzindo-nos a um rebanho de "seres" acríticos, acéfalos, anómalos, servindo-se de todos os meios para alcançar esse fim, em particular humilhando, ofendendo e chantageando os professores.
Por mim, aqui fica o meu testemunho: OBRIGADO, PROFESSORES

A Política da Idiotia como Ideologia Política Ou uma Nova Receita para um Genocídio


Ah! Povo, Povo, como te atreves a incomodar-nos?
Tens novecentos anos de vida, Povo!
Não é já tempo de deixares a Idade dos Porquês?
Repara, Povo, na pesada quantidade de Porquês?
Com que feres os nossos delicados tímpanos:
"Dizes, governante, que a crise é uma emergência nacional.
Mas sou eu, Povo, a suportá-la sozinho! Porquê?"
"Gritas, governante, que devemos curvar-nos à amoralidade dos mercados.
Mas sou só eu, Povo, que tenho que me comportar bem! Porquê?"
"Exclamas, governante, que a hora é de unirmos esforços.
Mas sou só eu, Povo, que sinto eu mim as divisões que tu impões! Porquê?"
"Exaltas, governante, os compromissos que são para cumprir.
Mas sou só eu, Povo, que vejo rasgares todos os teus compromissos para comigo! Porquê?"
"Ameaças, governante, fazer leis para que os teus desígnios sejam obrigatórios.
Mas sou só eu, Povo, que cumpro todas as leis existentes! Porquê?"
"Invectivas, governante, que estamos a caminhar para um futuro melhor.
Mas sou só eu, Povo, que todos os dias sou empurrado para o pior do passado! Porquê?"
"Reclamas, governante, a urgência do conhecimento e da qualificação.
Mas sou só eu, Povo, que, sabedor, sou mandado emigrar! Porquê?"
"Insistes, governante, que todos somos iguais.
Mas sou só eu, Povo, que, velho, sou apontado como um peso descartável! Porquê?"
"Tantos porquês! Não respondo!", vocifera o Supremo Líder
Fechando soturnamente o fácies cavernoso.
"Corte-se, corte-se tudo, já, custe o que custar!", explode com veemência o Primeiro governante.
"Calma!", proclama o bipolar Segundo (ou Terceiro...) governante
Lembrando que "os amigos gostam pouco de sangue" pelo incómodo nefasto que provoca na acção do Terceiro (ou Segundo...) governante
E que "os inimigos ainda menos" alerta com receio de mais e mais Porquês
"Uma autêntica tragédia para o nosso governo", sentencia.
"Chamemos o educacional colega, terá alguma proverbial solução."
"E tenho!" gesticula impante o educacional colega.
"Decrete-se, com força de lei e se necessário mais força que lei:
Não há quês nem porquês nas Escolas! E assim "custe o que custar"
O Povo ficará
Docilmente acrítico acéfalo anómalo
Domesticado
E sem Porquês!"
Serve-se em uma nova Constituição
"Artigo Único - O governo elege o povo.

“Achismos” e Ingenuidades

Lembro-me de, em brincadeiras de crianças, quando queríamos saber de que lado soprava o vento, molhávamos o indicador, espetávamo-lo no ar, e dizíamos "Acho que vem dali". Às vezes acertávamos, outras não. O actual ministro das finanças parece praticar, denodadamente, esta brincadeira, levando-a a sério: "Acho que esta previsão é que vai dar certo"; "Acho que foi a chuva que impediu o investimento". Praticada a um tão alto nível - o da governação de um País - é pertinente concluir estar perante uma nova filosofia política: o "Achismo". Vem isto a propósito de o líder do Partido Socialista ter afirmado, com profunda convicção, que a dívida de Portugal é para pagar na sua totalidade. E apresentou razões ponderosas a sustentar essa convicção, entre as quais relevou a imprescindível credibilidade do País perante os credores e outros actores internacionais. "Acho" bem! E porque considero o líder do Partido Socialista uma pessoa inteligente, coerente, credível, dei por mim a "achar" que ele, logo que seja eleito em futuras eleições legislativas e tome posse como primeiro-ministro, devolverá, de imediato e a bem da imprescindível credibilidade da governação, a todos os pensionistas e reformados, todo o dinheiro que o actual governo lhes anda a roubar. "Acho" bem! Ou "achava", até que fui confrontado com a notícia de que o líder do Partido Socialista vai à próxima reunião do Grupo Billderberg. Por que deixei de "achar"? Porque o primeiro compromisso é uma exigência daquele grupo (e de outros semelhantes), e foi assumido pelo líder do Partido Socialista como "chave" para participar na reunião. Porque o segundo compromisso é absolutamente rejeitado pelos mesmos grupos (seria um precedente subversivamente gravíssimo contra os seus interesses!) e, portanto, é inviável ao líder do Partido Socialista assumi-lo. Dirá mais tarde, e muito convictamente, "Não há alternativa!". Aqui chegados, uma conclusão surge: depois de há alguns anos o
grande líder do Partido Socialista ter "metido o socialismo na gaveta", o actual líder do mesmo partido apresenta-nos, de forma inteligente, coerente e credível, a sua escolha política convictamente assumida: a Democracia a que Portugal tem direito é a democracia de alterne. De alterne, sim, porque a promiscuidade das relações políticas, financeiras e económicas navega num oceano de euros, onde a impunidade - de roubar os cidadãos, p. ex. - é factor determinante do ADN político de qualquer "governante" pertencente a um qualquer "arco de governabilidade". Definitivamente, já não há espaço, nem tempo, para "achismos". Nem - muito menos! - para ingenuidades!

sábado, 11 de maio de 2013

Bilhete de Identidade: Vitalício

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Vou fazer 65 anos

Descartável! sentencia o governo

Num tonitruante berro

Lançado do alto da sua mediocridade.

À morte, peste grisalha! clamam os acéfalos

Numa histérica ansiedade para serem governo.

Culpado! acusam os mansos cordeiros

Em febril e perfilada manifestação de obediência cega.

Vou fazer 65 anos

Olho-me ao espelho e reconheço

Não faço parte do povo eleito pelo governo

Mas olhando-me nos olhos

Também reconheço que estou de pé

Na trincheira que há muito escolhi

Porque esse é o meu compromisso para contigo, Meu Amor

Porque esse é o meu compromisso para convosco, Meus Filhos

Porque esse é o meu compromisso para convosco, Meus Amigos

Porque esse é o meu compromisso para comigo

Por infinitésimo que eu seja

Mas também porque imprescindível me é a Vida!

Vou fazer 65 anos

Estou de pé neste lado da trincheira

Onde mora o Sonho de que não abdico

Onde mora o Amor que me constrói o Ser

Onde mora a Dignidade que me faz Inteiro e Livre!

Estou de pé neste lado da trincheira

E Luto!

Porque as escolhas que faço e as escolhas do governo

São inconciliáveis!

BREVE NOTA SOBRE AS PARCERIAS PÚBLICO PRIVADAS

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As Parcerias Público Privadas (PPP) têm sido objecto de atenção por parte de múltiplos actores, desde simples cidadãos, expressando as suas opiniões mais ou menos fundamentadas, até aos partidos políticos, neste caso usadas como arma de combate político e ideológico.

Essas díspares apreciações transmitem, no entanto, uma conclusão comum: as PPP são um cancro económico, financeiro e social, cujos elevadíssimos custos (cerca de 3 mil milhões de euros anuais) se vão prolongar por dezenas de anos, constituindo um sério constrangimento, quer à prossecução de contas públicas “saudáveis e transparentes”, quer a uma perspectiva de desenvolvimento sustentado para o País.

Há mesmo quem argumente, com pertinência, que, na sua generalidade, as PPP são, de facto, actos gravosos que configuram crimes de diversa índole: conluio, corrupção, tráfico de influências, abuso de poder,…

O actual governo, um dos actores que mais esgrimiu contra as PPP, achou por bem “atacar de frente” este cancro. Para tal, muniu-se de lei “apropriada e adequada” ao “objectivo pretendido”: acabar com “o regabofe das PPP”!

E assim foi elaborado, aprovado, promulgado e publicado o Decreto-Lei nº 111/2012, de 23 de Maio.

Este diploma, nos seus considerandos iniciais, não poupa nas palavras, duras e contundentes, com que analisa “a experiência até agora recolhida” com as PPP. Vejamos algumas dessas palavras (os sublinhados são meus):

. “Posteriormente, o DL141/2006, de 27 de Julho, veio introduzir diversas alterações ao regime então vigente, designadamente ao nível da preparação de processos de parceria e da execução dos respectivos contractos, com vista a um pretendido, mas não demonstrado, reforço da tutela do interesse financeiro.”

.”… a um melhor acompanhamento, por parte do Ministério das Finanças, do desenvolvimento dos projectos e, em particular, dos contractos de PPP já celebrados, assim como à transparência, designadamente através da publicitação de documentos relacionados com esta modalidade de contratação.”

.”… com excessiva pluralidade de intervenientes em representação de cada uma das entidades públicas envolvidas, o que tem determinado a inexistência de uma gestão pública coordenada e, bem assim, a incapacidade do sector público de acumular experiência, com a consequente necessidade de recurso recorrente a consultadoria externa, factores que têm contribuído, de forma determinante, para o agravamento dos encargos a suportar pelo sector público com as PPP.”

.”Finalmente, importa salientar que a revisão do regime legal aplicável às PPP dá corpo aos objectivos e medidas previstas no Programa de Assistência Financeira acordado com a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, mais concretamente no que respeita à obrigação do Estado Português de introduzir no ordenamento jurídico um quadro legal e institucional reforçado, no âmbito do Ministério das Finanças, que permita um efectivo e rigoroso controlo dos encargos, bem como dos riscos, associados às PPP.”

Poderíamos dizer: está finalmente encontrado o meio de sanearmos, de forma transparente, efectiva e rigorosa, as contas públicas no âmbito das PPP, diminuindo, ao mesmo tempo, e drasticamente, o risco de, no futuro, sermos, todos nós, mais uma vez “atropelados” por uma qualquer “emergência financeira”, mal explicada, mal apresentada, e “filha de pais incógnitos”!

Mas, será mesmo assim?

Não, não é assim. O artigo 48º - Aplicação no tempo, deste mesmo diploma, destrói por completo o edifício pretensamente rigoroso e transparente, e conducente a um efectivo controlo dos encargos e dos riscos destes contractos, numa demonstração clara e inequívoca de que há interesses privados que são defendidos, sobrepondo-se iniludivelmente á defesa do interesse público. Como?

a) Enquanto a parte final do número 1 deste artigo parece pretender manter como objectivo “a defesa do interesse público” – “o regime previsto no presente diploma aplica-se a todos os processos de parcerias, ainda que já tenham sido celebrados os contractos.” -, o seu início – “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes…” -, pelo contrário, aponta explicitamente para constrangimentos à concretização daquele objectivo, os quais são enunciados nos números seguintes.

b) E o seu número 5 é de uma absoluta e inquestionável clareza: “Da aplicação do presente diploma não podem resultar alterações aos contractos de parcerias já celebrados, ou derrogações das regras neles estabelecidas, nem modificações a procedimentos de parceria lançados até à data da sua entrada em vigor.”

Este diploma mostra, de uma forma “legalmente transparente” que o actual governo tem da propalada “emergência financeira” uma visão firmemente selectiva: essa “emergência financeira” não é para todos, pois o sector privado das PPP é “privado do seu dever” de dar o seu contributo para o saneamento das contas públicas, vendo, pelo contrário, ser-lhe imposto por lei o “abominável direito” de ter as suas “mais-valias” absoluta e explicitamente defendidas contra quaisquer arremetidas, por mais “troikanas” que sejam!

É difícil descer mais baixo!

MULHER – MÃE

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( A partir de um poema de Maria do Rosário Pedreira, in “Jornal de Letras”, 17/30 de Abril)

“Ai, se o menino soubesse que

era ainda nele e nas suas brincadeiras que

pensava quando agachada ali, diante de um

estranho, abria a boca e fechava os olhos.”

Criaste dentro de ti o Futuro

Chamas-lhe o meu menino

E nos teus olhos cintilam mil alegrias

Quando falas do teu menino.

Mas hoje o teu olhar é tenso e duro

A alegria emigrou para parte incerta

O teu menino é tudo e apenas o que te importa

Nada mais conta em nada mais crês.

Vais em frente alheia aos dedos acusadores

Os olhares que te excluem nada te dizem

Exiges-te cumprir o teu compromisso com o Futuro

A nada a ninguém mais respondes.

Mas à noite sozinha

Choras lágrimas violentas

Calas revoltas infinitas

Sentes-te no mais abjecto dos abismos.

NÃO, Mulher-Mãe, não chores

Ergue-te! De pé humilharás

Aqueles que, indignos, te usam o corpo

Aqueles que, criminosos, te roubaram a esperança.

NÃO, Mulher-Mãe, não chores

A tua luta é a luta de milénios

Contra quem te quer domesticada

Contra quem te quer simples coisa.

NÃO, Mulher-Mãe, não chores

Diz-te Mulher e Estás Vertical e Inteira

Diz-te Mulher e És Livre e Solidária

Diz-te Mãe e é teu o Futuro!

Eu, Mulher-Mãe, sinto-me pequenino

Diante da Coragem com que cumpres o teu compromisso

Diante da Firmeza com que trocas o teu terrível presente

Pela defesa da Dignidade do teu menino.

Eu, Mulher-Mãe, sinto-me pequenino

E rendo-me incondicionalmente me rendo

À Nobreza sem mácula da tua Humanidade!

“O ESTADO A QUE ISTO CHEGOU” – Que Legitimidade?

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Em Democracia, a legitimidade reconhece-se por duas vias, sucedâneas, complementares e imprescindíveis, ambas obedientes à mesma lei fundacional dessa Democracia, a Constituição da República: a que resulta de um acto eleitoral livre e democrático; e a que resulta do exercício do poder no cumprimento dessa Lei Primeira.

Quer o Presidente da República, quer o Governo, são-no como resultado de actos eleitorais livres e democráticos. Recolheram, por isso, legitimidade para o exercício dos respectivos cargos.

Mas existirá a legitimidade resultante do exercício do Poder?

Em texto anterior (“O Estado a que isto Chegou” – Que Consequências?”), argumentei sobre a ilegitimidade da acção governativa. Desde então, não só essa ilegitimidade foi substantivamente praticada, como despudoradamente afirmada. Dois exemplos apenas:

1) A violenta diatribe do primeiro-ministro contra o Tribunal Constitucional (TC), por este ter “chumbado”, por inconstitucionais, algumas normas contidas no Orçamento de Estado para 2013. Sem sentido de Estado, sem reconhecimento do Valor inalienável em Democracia que é a separação de poderes, sem vergonha, e, sobretudo, sem razão nenhuma, o primeiro-ministro pretendeu “atirar para cima” do TC responsabilidades que são exclusivamente do Governo, isto é, suas! E nem sequer reparou (ou então fingiu…) que o TC foi inacreditavelmente “suave”, pois “constitucionalizou” um acto – a Contribuição Extraordinária de Solidariedade -, apresentando uma justificação pacoviana para encobrir o que é um autêntico roubo!

2) A espantosa declaração do ministro das Finanças – “Não fui eleito coisíssima nenhuma”! –, que constitui a mais cabal e inequívoca demonstração da ilegitimidade da acção governativa, pois esta afirmação só pode ter uma interpretação: o ministro das Finanças não exerce o poder que o cargo lhe confere para governar no cumprimento da Lei Fundamental, a Constituição da República (Governar pelo Povo, para o Povo, com o Povo), mas sim para cumprir “ordens superiores”, emanadas de uma “coisa” designada por “troika”, e revelando toda a acrimónia que resulta da sua acéfala subserviência.

É impossível outra conclusão: o Governo age com manifesta, sistemática e despudorada ilegitimidade.

E quanto ao Presidente da República?

1) No seu discurso pós-eleitoral foi impressivamente sectário, vingativo, rancoroso. Assumiu, de facto, que não seria, nunca, o Presidente de todos os Portugueses, mas apenas de alguns. Este discurso marca, em definitivo, a dimensão da sua estatura política e social: não consegue levantar-se do chão!

2) Num dos seus primeiros actos, opta por ser remunerado pelas suas pensões, em detrimento do vencimento correspondente à Presidência da República. É iniludível a consequência imediata desta opção (por maior suporte legal que tenha!): a Função Presidencial foi esvaziada de conteúdo, o Presidente passou a ser o “presidente”.

3) A ambiguidade e a tergiversação das suas “tomadas de posição” quanto ao desenrolar da acção governativa; quanto às consequências desastrosas – configuram mesmo o mais sórdido terrorismo social – para a esmagadora maioria da população; e quanto à desavergonhada protecção dos responsáveis que nos conduziram a esta situação; foram uma constante.

4) Confirmando a sua pequenez política e social, o seu discurso de 25 de Abril, ameaçando todos os que ergam a sua voz contra a ignomínia, a humilhação, e a ofensa de que são alvo, ao mesmo tempo que louvava os “mansos”, os “obedientes”, os “resignados” porque, disse, compreendem que não há alternativa, constitui um insofismável apoio à ilegitimidade da acção governativa.

É impossível outra conclusão: o “presidente” da República exerce o poder inerente ao seu cargo de forma ilegítima.

Estas duas práticas – a da acção governativa e a “presidencial” – assentam na discriminação, na discricionariedade, na assumida subalternização, senão mesmo repúdio, da Lei Fundamental, a Constituição que juraram cumprir.

Mais do que isso, é insultuoso o louvor que fazem dos “mansos”, dos “obedientes”, dos “resignados” porque, dizem, “compreendem que não há alternativas”, em oposição à ameaça que lançam sobre aqueles que, porque humilhados e ofendidos, perguntam em voz alta PORQUÊ? ONDE ESTÃO OS RESPONSÁVEIS? QUE JUSTIÇA É ESTA, TÃO DESCARADAMENTE SELECTIVA? QUE FUTURO PODEMOS CONSTRUIR? QUAL A FELICIDADE A QUE TEMOS DIREITO?

A acintosa demonstração de absoluta insensibilidade social e humana por parte dos dois poderes atinge o seu máximo grau quando permite, senão mesmo promove, a miséria de milhões de seres humanos, cujo resultado mais execrável é haver (números do próprio Ministério da Educação!), no século XXI, num país europeu, mais de 10.000 crianças com fome! Este CRIME CONTRA A HUMANIDADE não pode ficar impune, abafado pelas palavras ignóbeis dum qualquer “ai aguenta, aguenta”!

Por muito “cordeiros” que sejamos; por muito “ordeiros e sensatos” que sejamos; por grande que seja a nossa capacidade de sofrimento, e de encontrar no meio de tão violentas e intencionalmente impostas adversidades, um átomo de alegria que nos ajude a suportar tanta dor, tanta humilhação, tanta ofensa, tanto desprezo; há um limite que não nos deixa aceitar sermos “coisificados”, que nos impõe lutarmos pelo direito à liberdade de escolhermos o nosso caminho, fazendo do respeito mútuo um Valor inalienável, e rejeitando com toda a veemência quaisquer formas de discriminação, de discricionariedade, de abuso do poder.

O exercício do poder, pelo “presidente” da República, e pelo Governo, é inequivocamente ilegítimo, quer nas suas formas, quer nos seus conteúdos. Não foi para usarem o poder desta forma, com este conteúdo, e com o desastroso e humilhante resultado a que chegámos, que este “presidente” e este Governo foram eleitos.

E se é verdade que o poder democrático exige, em simultâneo, a legitimidade pelo voto e a legitimidade pelo exercício democrático do poder, também é verdade que a cidadania democrática não se esgota no voto: os eleitos estão – TÊM QUE ESTAR! – ao serviço dos cidadãos, agindo no cumprimento da Constituição, pois é através dela que nos revemos como Comunidade com um passado de que nos orgulhamos, um presente em que nos sintamos solidários e livres, e um futuro que sonhemos e construamos nosso.

O “presidente” da República afirmou, no seu discurso na Assembleia da República no dia 25 de Abril: “Há quase 40 anos, Portugal mostrou ao mundo como é possível mudar de regime sem violência”.

É tempo de mudar de Governo, e de política, enquanto a não violência é possível. Mas a ilegitimidade do uso do poder tem um preço: cabe-lhe toda a responsabilidade pelas acções, e omissões, concretizadas. Mesmo aquelas que provoquem reacções de legítima defesa que se revistam de violência.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Breve Nota sobre a Reforma da Defesa 2020

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“O Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional subordina-se directamente à Constituição da República”*

“É, pois, a praxis, continuada e permanente, de uma cidadania plenamente assumida, que nos “proíbe” de aceitarmos que a Segurança e a Defesa sejam confinadas a este ou àquele sector Segurança e a Defesa dizem respeito a todos os cidadãos, porque ambas exigem, nas suas múltiplas áreas de acção, com as suas múltiplas organizações (políticas, económicas, militares, policiais, judiciais, educacionais, empresariais, sindicais, culturais, tantas outras…), agindo num ambiente cada vez mais complexo e interdependente, a participação activa, empenhada, solidária, de todos os cidadãos.

Ah, e participação crítica, porque sem crítica não há participação activa, nem empenhada, nem solidária”**

Estas citações confluem no que parece ser consensual entre os autores que se dedicam ao estudo da Estratégia: ela está intimamente ligada à Política, sendo “um instrumento essencial ao serviço das inteligências e das vontades políticas”***

Não é pretensão deste texto desenvolver uma abordagem profunda ao Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), aprovado em Conselho de Ministros através da sua Resolução nº 19/2013, de 21 de Março (D. R. 1ª série Nº67, 5 de Abril). De facto, este CEDN apenas é chamado à colação para, por um lado, apontar uma singular contradição com a perspectiva, acima referida, do que é a Estratégia; e, por outro, identificar uma consequência que fará sentido se a esta contradição corresponder uma opção firme por um outro conceito de Estratégia completamente diferente.

Vejamos a questão da “singular contradição”: a Resolução do Conselho de Ministros fundamenta a sua decisão na Lei de Defesa Nacional e, no que ao âmbito deste texto importa, nas alíneas d) e g) do artigo 199º da Constituição. De que trata este artigo? Da “Competência administrativa” do Governo!

Quer dizer, o CEDN não é relevante do ponto de vista político (artigo 197º da Constituição – “Competência política” do Governo), nem do ponto de vista legislativo (artigo 198º da Constituição – “Competência legislativa” do Governo).

O Conceito Estratégico de Defesa Nacional será, assim, uma mera “administratividade”.

Será exagerada esta conclusão?

Como se disse, não é escopo deste texto a análise do conteúdo do CEDN.

No entanto, e dada a inquestionável e incontornável ligação deste CEDN ao documento recentemente aprovado no âmbito do Ministério da Defesa Nacional – Linhas Gerais da Reforma Defesa 2020 -. Importaria confirmar, ou infirmar, neste último, se, porventura, aquela conclusão terá algum sentido.

Este documento aponta, como uma das “orientações para a reorganização da macroestrutura da defesa nacional e das Forças Armadas” o seguinte:

“No âmbito do MDN, os serviços centrais do Ministério da Defesa Nacional devem ser reestruturados e redimensionados no sentido de a Direcção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar e a Direcção-Geral de Armamento e Infraestruturas de Defesa serem concentradas num único serviço.

Este serviço terá como responsabilidade a condução jurídica e administrativa dos processos de aquisição e de alienação dos sistemas de armas, bem como a função recrutamento,…”

Parece, assim, que o recrutamento de pessoal para as Forças Armadas se fará de um modo em tudo semelhante ao da aquisição de material! Ou seja, tal como já muitos se referem Ás pessoas como capital humano , passará a haver a designação de material humano .

Parece! Ora, em Política, o que Parece, É!

A ser assim, duas consequências se poderão identificar:

1. A “coisificação” dos militares, num retrocesso civilizacional de vários séculos, quando os exércitos ainda não eram Nacionais!

2. Uma porta que ficará aberta para que aos “processos de aquisição de pessoal” concorram… Empresas Militares Privadas!

Oxalá esteja enganado!

*António Moura, “Educação: uma questão de poder, ou uma questão humana?”

**Idem

***Instituto de Defesa Nacional, “Call for Papers”, (e.mail)

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Sobre a decisão do Tribunal Constitucional

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Não me passa pela cabeça considerar que algum dos membros – um só que seja! – do Tribunal Constitucional se caracterize por inaptidão intelectual, falta de experiência, visível limitação de conhecimentos, incapacidade de trabalho sistemático e sistémico. Em suma, reconheço a todos os membros do Tribunal Constitucional a necessária e adequada competência para o exercício de tal elevado quanto exigente cargo.

Deste reconhecimento deriva um outro, qual seja o de as suas decisões serem tomadas conscientemente.

E, porque competentes para o desempenho do cargo, o exercem de modo consciente, uma inevitável consequência se infere: são responsáveis pelas decisões que tomam.

A recente decisão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento de Estado para 2013, é, pois, uma decisão de que todos os seus membros são responsáveis.

E não responsáveis por quê? São responsáveis por:

1. “Constitucionalizarem” a prática do roubo. De facto, as pensões pagas a aposentados, pensionistas e reformados não são despesa do Estado, mas sim o retorno do investimento feito pelos trabalhadores (do sector público ou do sector privado), através dos descontos efectuados ao longo de uma vida (dezenas de anos, no meu caso mais de 47 anos!), por forma a garantirem uma velhice digna, e no âmbito de um contracto estabelecido (melhor, imposto!) pelo Estado, com que este se comprometia (comigo, o compromisso assumido pelo Estado tem mais de 47 anos de rigoroso cumprimento da minha parte!), ao pagamento dessa pensão a partir do acto da reforma ou da aposentação.

Se já é absolutamente reprovável uma diminuição dos salários dos trabalhadores (públicos ou privados), comparar pensões de reforma a salários de quem está no activo, não passa de ludibriar semanticamente a lei, num exercício de espertismo pacóvio, triste, mesquinho, rasteiro.

2. Darem cobertura a um acto cobarde. Afirmando terem tomado em conta “o contexto” – o de uma pretensa e não declarada “emergência nacional” - , acompanharam a opção do governo: cumprir os compromissos assumidos com os credores internacionais; rasgar os compromissos assumidos com os trabalhadores (públicos e privados). Este acto, de submissão perante os fortes, e de imposição perante os fracos, é um acto de cobardia em qualquer lugar decente do mundo. Curiosamente (ou não!), lembraram-se de se esquecerem do outro lado do “contexto”, o lado humano, o das pessoas reais, as que assumiram compromissos dentro do seu orçamento familiar julgado assegurado por terem no Estado o exemplo de “pessoa de bem”, e que agora se vêem confrontados com incumprimentos que não são, de todo, da sua responsabilidade. Compromissos (empréstimos, p. ex.) esses que, enquanto cumpridos, constituíram fonte permanente de lucro para as empresas, sobretudo bancos, mas que, agora, constituem razões humanas para o suicídio.

3. Destruírem o que poderia restar da confiança nas instituições democráticas. Vejamos:

1. É, ou não, verdade, que os bancos, após obterem a recapitalização “necessária”, se lançaram, de novo, na especulação financeira – ainda por cima com a dívida pública do País! -, para já terem apresentado, com jactância medíocre e vergonhosa, as “mais-valias” obtidas com esta absoluta imoralidade?

2. É, ou não, verdade, que não muitos (e um só que fosse era já demais!) os que, obtidos “empréstimos” de muitos e muitos milhões de euros (BPN, BANIF, CGD) não os pagaram, nem pagam, e continuam a viver como se nada de mal ou errado tivessem feito?

3. É, ou não verdade, que quando alguém se “esquece” de declarar ao fisco ganhos de alguns milhões de euros é “premiado” com uma taxa de IRS enormemente reduzida quando “é lembrado” do que se “tinha esquecido”

4. É, ou não, verdade, que se tal acontecesse a um qualquer comum cidadão, seria imediatamente apontado como criminoso, os bens penhorados, a família despejada de casa?

5. É, ou não, verdade, que os contractos das Parcerias Público-Privadas não são tornados públicos, na sua totalidade? Porquê?

4. Ferirem gravemente a frágil democracia em que vivemos. Os membros do Tribunal Constitucional sabem:

1. Que a Assembleia da República – que deveria ser a Casa-Mãe da Democracia, aliando o Poder Legislativo ao exercício da fiscalização da acção governativa – se submeteu, desde há anos, ao Poder Executivo;

2. Que a “Justiça” é manifestamente selectiva;

3. Que os (poucos) poderes presidenciais foram colocados “entre aspas” quando, perante a opção entre vencimento inerente ao cargo e pensões de reforma, estas foram preferidas;

4. Que é legítimo questionarmo-nos sobre se a “inconstitucionalidade dos subsídios de férias e do natal” não terá sido a “moeda de troca” para o roubo apontado em 1. (Reconheço que não tenho os conhecimentos dos membros do Tribunal Constitucional, mas se me fosse apresentado um Orçamento de Estado contendo a mesma inconstitucionalidade do Orçamento anterior, sentir-me-ia insultado, pelo que a minha decisão seria imediata, o “chumbo total”, por não reconhecimento de tal documento! E estaria a ser brando!)

Perante o que fica exposto, poderia retirar-se uma conclusão: deixámos de viver em Democracia, por excesso de concentração de poderes no Poder Executivo.

Esta conclusão recebeu “forte apoio” através da reacção do governo à (branda!) decisão do Tribunal Constitucional, numa demonstração inequívoca de que quer “mandar sem peias, custe o que custar”