terça-feira, 29 de outubro de 2013

A Palavra e o Poder

 

 

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I

A Palavra com que o Poder nos invectiva

Agride-nos pela violência desmesurada

De que abusa para nos dizer

Que nada somos para além de simples números

Insignificantes coisas

Cujo destino é sofrermos o que devemos

Para que o Poder continue a fazer o que quer.

A Palavra do Poder é obscena

Pela forma como nos humilha, nos ofende, nos despreza.

A Palavra do Poder é sádica

Pelo conteúdo com que nos tortura, nos fere, nos exclui.

A Palavra do Poder é ignóbil

Pois tem como veículos privilegiados a mentira, a hipocrisia, a cobardia.

Mas a Palavra do Poder é também múltipla

Pois a pesporrente ganância do Poder é tanta

Que nos surgem as mais desconexas Palavras do Poder

Numa cacofonia delirantemente mesquinha

Onde as Palavras do Poder se atropelam, se desdizem, se contradizem

Sempre irrevogavelmente revogadas

Num dependismo tortuoso, invertebrado, infecto.

Vindas dos múltiplos lados do Poder

Não sabem para onde vão, nem por onde vão.

Vergastam-nos sem sentido

Para se concentrarem no ómega da sua definitiva inutilidade.

Abusadas, violadas, espezinhadas, prostituídas, desonradas

Também as Palavras nada significam para o Poder.

O Poder exonerou a Palavra

A Força basta-lhe.

II

Ah, Coração alvoroçado

Procuras o sentido dos sons que te chegam do Poder

Tentas, angustiado, desvendar-lhes causas propósitos

Mas nada encontras senão humilhação desrespeito discriminação.

Magoado, descobres-te pequenino e impotente

Perante a crueldade das acusações que sobre ti são lançadas

Sem que porquês te sejam apontados

Ferido, descobres-te nu e desarmado

Perante a imensidão das obrigações que te são impostas.

A tua inquietação pergunta-te Estarei só?

E são tantos tantos tantos os corações dilacerados

Que num repente nasce-te a certeza

De que as tuas Razões são justas

Todas as Razões de todos os corações são justas

Tal a avalanche pútrida derramada pelo Poder.

E juntas a tua voz a tantas e tantas e tantas outras vozes

E gritas bem alto a Indignação que é tua, que é de todos,

Que é nossa.

Uma vez e outra e outra ainda, já são sem conta

As vezes que ergueste o teu, o nosso brado

Levando a todo o lado o Poder das Palavras que dizem

Da Razão que é já de todos

Contra o Poder desprezível, rasteiro, ilegítimo.

Exerces, como muitos, muitos mais

O teu inalienável Direito à Indignação

Mas já tropeçaste em incompreensões, dúvidas, incertezas, erros até

Sobre o lugar em que estás, e por que nele estás

Para onde queres ir

Com quem estás

Com quem queres continuar o caminho.

Descobres, de novo alvoroçado, meu Coração

Que a Razão que tens, e o Poder da tua Palavra

Vêm da humilhação que sentes, das ofensas que te fazem

Vêm das tuas angústias, dos teus medos, das tuas inquietações

Descobres que são diferentes das de outros corações

Também humilhados e ofendidos

Também angustiados, inquietos, com medos

Mas descobres que nada nessas diferenças impede o mesmo grito

Pois o aviltamento a que o Poder te quer, nos quer, sujeitar

Não consegue destruir o que une todas as diferenças:

A Dignidade de cada um de nós.

E de novo ganhas alento

Vem, Companheiro! Vamos, Amiga!

A Razão está do nosso lado

O Coração reclama um único grito, uma única Palavra

O nosso Grito, a nossa Palavra

Indignação!

Ah, foram já tantas as vezes que gritaste, meu Coração

Tantas vezes exigiste as Palavras que transportam a tua Razão

E o Poder não verga!

De novo a angústia, o medo, a inquietação

Não estás só, é verdade

Ao teu lado mora a mesma angústia, o mesmo medo, a mesma inquietação

E reparas que os teus olhos, e os olhos de todos nós, estão febris de revolta

E os teus dentes, e os de todos nós, rangem de raiva

Porque atingiste, atingimos, o limite da Resistência.

Mas se o Poder prostituiu, desonrou, exonerou

A sua Palavra

Para escolher como seu único instrumento a Força

Então o Poder facilmente rejeitará, com ignóbil arrogância

O Poder das Palavras com que afirmas, afirmamos

Inteiros, Livres e Dignos

As Razões que os nossos Corações reconhecem como imprescindíveis

Para nos construirmos, cada um e todos, como Seres Humanos.

III

Meu Coração alvoroçado, não percas o rumo do Futuro!

Se é verdade que a Força do Poder

Levou os nossos gritos de Indignação aos limites da Resistência

Se o Poder das nossas Palavras é insuficiente contra a Força do Poder

Então que os nossos Corações convoquem as nossas Mãos

Pois elas, armadas com as nossas Razões

E Abertas, Libertas e Solidárias

Saberão agir

E construir o Futuro de que não abdicamos!

IV

É chegada a hora, meu Coração, de exerceres, de exercermos

O nosso inalienável Direito à Legítima Defesa!

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O Humano Chão Sagrado

Alentejo

Vivemos tempos complexos, prenhes de incertezas e de interdependências, em que cada situação não é a, cada problema não é o problema, cada resposta não é a resposta.

A multidiversidade das nossas circunstâncias, individuais e colectivas, exige-nos um activo e permanente diálogo, de cada um de nós consigo próprio, nos seus múltiplos eus, e com o Outro, também ele múltiplo e actuante, nas inúmeras comunidades a que pertencemos e nos sentimos pertencer.

Esse diálogo, raramente fácil e tantas vezes duro, quer-nos inteiros e livres, donos das nossas Emoções (que dão sentido à nossa Vida), das nossas Razões (que nos apontam os caminhos e as escolhas que podemos/devemos fazer), das nossas Acções/Omissões (que definem as consequências do que somos, do que queremos ser).

Esse diálogo, connosco e com o Outro, tem como base indispensável um Passado que necessitamos conhecer, compreender, criticar e aceitar. Munidos deste entendimento, podemos dar dimensão ao Presente em que estamos e somos, naquela multitude individual e colectiva a que não podemos, nem devemos, fugir.

Tendo um Passado que assumimos como nosso, olhamos para p Presente como um ponto de partida rumo ao Futuro, à Utopia. Sempre na linha do horizonte, sempre inalcançável, mas sempre inspiradora do melhor que temos em nós, para nos construirmos.

Para essa construção, porém, não é suficiente convocarmos as Emoções, as Razões, as Acções, individuais e colectivas. A Utopia não se alcança, mas o Futuro não se constrói apenas mirando-a, vogando nas nuvens do etéreo: urge darmos-lhe um chão, firme e fértil, onde possamos plantar, e ver nascer e florescer, livres i inteiros, os Afectos que nos definem como Seres Humanos.

A esse chão, tão úbere quanto exigente de permanente alimento e especiais cuidados, chamo Respeito.

É neste chão sagrado que podemos construir o Amor, a Amizade, a Solidariedade, a Liberdade. Ah, e essa ainda tão rara flor que é a Dignidade da, e na, diferença, de cada um de nós e do Outro.

É neste chão sagrado que encontramos o sentido da Vida que vivemos, integrando, inteiros e livres, a Natureza e a Humanidade, expressão incontornável da nossa condição humana. E descobrindo que a Eternidade existe e é, também ela, profundamente humana, porque habita os nossos Afectos.

Mas os tempos que vivemos são, também, conturbados, prenhes de conflitos e de confrontos, tantas vezes fatais (todas as vezes são demais!).

São tempos que nos afligem, que nos colocam dúvidas, angústias e medos.

São tempos de uma exigência extrema, colocando o diálogo de nós connosco, e de nós com o Outro, nos limites simultaneamente mais débeis e mais letais da sobrevivência, nos limites em que é imenso o risco de não nos reconhecermos e de vermos o Outro como inimigo.

São tempos em que nos é imprescindível acreditar. Não no sentido messiânico de uma qualquer fé, mas de confiar. Confiar no Outro, indivíduo ou instituição, que, também ele, ou ela, demonstra confiar em nós, em cada um de nós.

Em tempos de tamanha exigência, é imperioso lembrar que também esta Confiança releva, e se constrói, nesse mesmo chão sagrado: o Respeito.

Hoje, no meu País, os indivíduos, e as instituições, cujas Acções/Omissões deveriam ter como consequência primeira e imprescindível a Confiança – sem ela, o Presente e uma comunidade torna-se incompreensível, e o seu Futuro impossível de almejar -, alienaram todas as Razões, destruíram todos os Afectos: restam angústias, medos, indignação, revolta.

Hoje, no meu País, governantes e instituições políticas exercem o poder de forma ilegítima, pois todas as suas Acções/Omissões são levadas a cabo contra um Povo inteiro, que não respeitam.

São, por isso, politicamente insustentáveis.

Mas porque destruíram, com indisfarçável arrogância e ignóbil prepotência, o chão sagrado do Respeito em que nos devemos construir como Seres Humanos, são, também, humanamente insuportáveis.

Por exclusiva responsabilidade dos governantes e das instituições políticas, é impossível conciliar a sua manutenção com a aspiração humaníssima do Povo na construção de um Futuro Livre e Digno em que nos possamos, todos, rever.

Porque politicamente insustentáveis, e humanamente insuportáveis, o nosso Futuro como Comunidade soberana, em que o Respeito por nós próprios e pelo Outro seja uma prática inalienável, exige a demissão destes governantes e a efectiva colocação das instituições políticas ao serviço do Povo.