quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

DIAS TRISTES E PERTURBANTES

72px-POR-Navy-Admiral-shoulderg

Muitos são os factos que demonstram o divórcio entre governantes e governados. Por exclusiva responsabilidade própria, quer o “presidente” da República, quer o governo, protagonizam palavras e actos que, de um modo acelerado, desgastam a Política e a governação, armadilhando e destruindo a confiança dos governados. Estes, por seu lado, são confrontados diariamente com actos e palavras dos governantes que os desgostam, ofendem, humilham, desesperam, perante a constante vandalização de quaisquer expectativas de Futuro, sequer a curto prazo.

A urgência do imediato, a fluidez gelatinosa de cada decisão governamental, logo irrevogavelmente revogada, gastam as derradeiras energias de resistência de que os governados ainda – por quanto tempo mais? – dispõem.

Neste imenso corrupio de erros, desprezo, arrogância, prepotência, a que governo e “presidente” da República chamam “acção governativa”, constitui exemplo paradigmático do estado de indigência política a que chegámos a actual situação da chefia da Marinha Portuguesa. Vejamos:

1. De acordo com as leis em vigor, desde que foi nomeado, anos atrás, que se sabia qual a data em que o anterior Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) terminaria o seu mandato.

2. Ainda de acordo com as leis em vigor, compete ao governo a escolha dos Chefes Militares, submetendo-a posteriormente à aprovação do Presidente da República.

3. Continuando a seguir as leis em vigor, os ramos das Forças Armadas, neste caso a Marinha, não têm nenhuma interferência directa nesta escolha.

4. O anterior CEMA terminou o seu mandato e passou, de imediato, à situação de Reserva.

5. A sua substituição “encalhou”, ao que parece, em divergências dentro da governação (“presidente” da República e governo) quanto à escolha do seu sucessor.

6. Actualmente, a Marinha Portuguesa está a ser chefiada por um vice-almirante na situação de Reserva.

Nenhum destes factos é contrário às leis em vigor. Revelam, porém, uma absoluta falta de Ética no exercício do Poder Político.

Não é de espantar tal facto, pelo menos desde que um energúmeno afirmou, na Assembleia da República, que “a Ética se subordina à Lei”. E menos de espantar é quando, como acima se disse, a “fluidez gelatinosa das decisões governamentais” encontra suporte em leis mal feitas, que se “atrapalham” umas às outras por contraditórias entre si, e mesmo dentro de si (fazendo as “delícias” de alguns “escritórios de advogados”), impondo o primado da força na acção governativa.

No entanto, a situação actual vivida pela Marinha Portuguesa vai perigosamente para além disto.

De facto, revela, por um lado, o real desprezo com que o Poder Político trata o Poder Militar, as Forças Armadas; por outro lado, e acentuando esse desprezo, a assumpção de que a submissão – e não a subordinação! – é a única atitude institucional que o Poder Político aceita, melhor, exige, das Forças Armadas.

Revela, ainda, que para o Poder Político a manifestação pública das suas divergências é totalmente irrelevante, pois as Forças Armadas, neste caso a Marinha Portuguesa, existem para “obedecer fiel e cegamente”, mesmo quando aquelas divergências mostram a sectarização a que chegou a acção governativa.

De um Chefe Militar exige-se, como imperativo Ético e Deontológico, o cumprimento rigoroso e inquestionável dos Deveres de Tutela, de Lealdade e de Disciplina para com os seus subordinados. Estes Valores Fundacionais da Condição Militar estão perigosamente postos em causa quando um Chefe Militar corre sérios riscos de não só se submeter ao Poder Político (de facto, uma governamentalização inaceitável, Ética e Constitucionalmente), mas a um específico sector sectário desse Poder.

E tanto mais perigosamente quanto este Poder Político tem dado reiteradas provas de ser completamente avesso a assumir as suas responsabilidades, quando uma submissão das Forças Armadas ao Poder Político coloca neste todas as responsabilidades pelas acções ( e suas consequências) cumpridas por aquelas.

São tristes e perturbantes os tempos que as nossas Forças Armadas vivem!

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Precedente? Não, Consequência!

manifestaccca7acc83o-policias-21_11

No dia 21 de Novembro de 2013, diversas Forças de Segurança  deram corpo a uma manifestação convocada pelos respectivos Sindicatos para, frente à Assembleia da República, expressarem a sua indignação pelo tratamento a que vêm sendo sujeitas pelo governo, num protesto que congregou vários milhares de pessoas.

No final dessa manifestação, homens e mulheres ali presentes ultrapassaram as barreiras metálicas e subiram a escadaria fronteira ao edifício da Assembleia da República, num acto que, indo para além das palavras, afirmava claramente o seu nível de indignação.

Este acto foi condenado por muitos comentadores, jornalistas, políticos e, com especial ênfase, pelo governo. Neste caso, são relevantes as seguintes afirmações:

. Ministro da Administração Interna: um acto “absolutamente inaceitável”. “Primeiro porque as regras de segurança são para cumprir. Depois porque quem tem por missão fazê-las respeitar não pode dar o exemplo de as violar”. E, sendo “especialmente graves”, “tinha que haver consequências a tirar”. “Num Estado de Direito”, há regras que devem ser observadas e limites que não podem ser ultrapassados”, garantindo que tais acontecimentos seriam uma “excepção” e que “não voltarão a repetir-se”. Acrescentou ainda “Isto é um requisito essencial não apenas da defesa do Estado de Direito, mas também da defesa da imagem de prestígio e de credibilidade dos agentes e das forças de segurança”.

. Primeiro-ministro: “O que se passou não é um bom indicador da própria autoridade das forças de segurança”. O protesto “não deveria ter ficado ensombrado pelo facto de manifestantes que pertencem a forças de segurança terem quebrado as regras que, enquanto estão em funções, devem fazer respeitar”. Por isso, “o governo e as próprias polícias devem tirar consequências do que se passou, de modo a que não haja um enfraquecimento das próprias forças de segurança no cumprimento do seu dever”.

. Porta-voz do PSD: “Todos nós temos consciência de que existem organizações que têm o especial dever de exemplo na sua actuação”.

. Líder da bancada do CDS/PP: “Num Estado de direito democrático [estes acontecimentos] não podem voltar a repetir-se”. “Estes actos são graves e não se devem repetir”.

Podemos concluir que estas afirmações, entre outras de semelhante teor, classificam aqueles incidentes como um “precedente grave”, que não pode “voltar a repetir-se”.

Mas, será efectivamente “um precedente”?

Todas aquelas afirmações chamam em seu favor “o Estado de Direito” e “o especial dever de exemplo na sua actuação” de organizações e instituições que integram esse Estado de Direito.

Poderemos dizer, sem margem para dúvidas, que essas organizações e instituições têm feito prática efectiva desse “dever de exemplo na sua actuação”? Vejamos, numa breve análise, o que nos diz a prática do governo:

1. Concorreu às eleições com um específico programa. Porém, logo que tomou posse, iniciou o cumprimento de um outro programa, oposto ao apresentado a sufrágio. Dado que as eleições foram livres e democráticas, permitindo assim que qualquer partido apresentasse, sem quaisquer entraves, o programa que desejasse, este acto só pode ser considerado como ferido de desonestidade política. Não é um exemplo para ninguém de boa-fé.

2. Numa das primeiras audições na Assembleia da República, o governo afirmou, peremptoriamente, ter constatado “um desvio colossal” nas contas do Estado. Teria sido actuação exemplar o governo declarar-se “impossibilitado de cumprir o programa com que tinha concorrido às eleições”, e assumir-se como “governo de gestão corrente” até que uma auditoria independente e urgente analisasse as contas do Estado para: a) confirmar ou infirmar tal “desvio colossal”; b) em caso de confirmação: identificar os responsáveis, e seguir os adequados procedimentos jurídicos; permitir ao governo reapreciar o seu programa e avaliar da viabilidade de o cumprir ou, em caso negativo, solicitar novas eleições de modo que o País pudesse ser informado, com transparência, da real situação que teria que enfrentar, e dos responsáveis por ela. O governo não só não deu este exemplo, como procedeu de tal modo que só há lugar a uma interpretação: ter-lhe-ia “caído nas mãos” um “fundamento” que, “devidamente explorado”, sustentaria e orientaria toda a acção governativa – afinal, a que sempre desejara! -, culpabilizando sistematicamente (ainda hoje!) o anterior governo, numa atitude, e prática, da desonestidade política já referida.

3. Toda a acção governativa, desde a tomada de posse do governo, tem-se pautado pelos seguintes “exemplos: a) um constante apelo à divisão entre os portugueses, evidenciando assumida hipocrisia política, pois o seu objectivo não é governar “pelo Povo e para o Povo” – objectivos fundacionais da Democracia e do Estado de Direito! -, mas sim governar contra o Povo; b) a subserviência com que impôs o cumprimento de compromissos com os poderosos (internos e externos), quebrando com absoluto desdém os compromissos (de décadas!) assumidos com o Povo, particularmente os mais fracos e desfavorecidos, revelando uma clara cobardia política; c) a persistência com que vem roubando, e quer continuar a roubar, os pensionistas e reformados, considerados como descartáveis, num acto que constitui um verdadeiro crime político.

4. O conjunto nada edificante de todos estes actos, que têm vindo a dar forma e conteúdo substantivos à acção governativa determinam uma conclusão firme: este governo é ilegítimo!

Mas para além do governo, importa analisar outra instituição cuja acção tem que ser, num Estado de Direito democrático, crucial como fonte e exemplo de Cidadania e do exercício Ético do Poder – a Presidência da República. Vejamos então:

A. Aquando da sua reeleição, o discurso de vitória foi um discurso rancoroso, vingativo e discriminatório: não seria o Presidente de todos os portugueses.

B. A opção, legal, que fez por ser remunerado pelas suas pensões em detrimento do vencimento como Presidente da República, significa duas coisas: considera a sua pessoa acima da Função Presidencial, subalternizando o poder institucional desta; desrespeita, em absoluto, um Povo inteiro.

C. Do discurso proferido na Assembleia da República, a 25 de Abril de 2013, ressalta que apenas reconhece como “seu povo” aqueles que, mesmo sendo sistematicamente violentados, desprezados, ofendidos, roubados, humilhados, se mantêm submissos e obedientes. Todos aqueles que clamam a sua indignação perante as malfeitorias a que o governo os tem vindo a agredir, não são merecedores da sua pessoa.

D. Mais recentemente, num apelo à “serenidade”, garantiu que devíamos essa “serenidade” aos “credores que têm os olhos postos em nós”. É difícil imaginar maior subserviência!

Poderiam ser apenas tristíssimos exemplos da actuação de um “presidente” da República. Vão, no entanto, muito para além disso: são expressão concreta duma cumplicidade assumida com o governo e a sua prática governativa.

Ambos, “presidente” e governo, têm levado até ao limite da resistência o desprezo para com o Povo. Todos os exemplos da acção de ambos conduzem à mesma conclusão: não estamos confrontados com diferentes opções quanto aos caminhos a percorrer para construirmos um Futuro em que, como Comunidade, nos possamos reconhecer Dignos, Livres e Solidários; estamos, sim, perante a oposição entre o caminho de máximo bem-estar para uns poucos poderosos (cada vez mais poderosos) e o do empobrecimento, miséria e desespero da imensa maioria do Povo.

São estes os tristes, feios, execráveis, exemplos da forma como duas instituições, fulcrais num Estado de Direito democrático, dão do cumprimento de “regras que devem ser observadas e limites que não podem ser ultrapassados”, esquecendo-se – melhor, lembrando-se de se esquecerem! – que é nelas que reside, e delas tem que emanar esse “requisito essencial não apenas da defesa do Estado de Direito, mas também da defesa da imagem de prestígio e de credibilidade” (que ambos, “presidente” e governo, já não têm! ).

A subida da escadaria da Assembleia da República por parte de manifestantes das forças de segurança terá sido um acto “especialmente grave”? Eventualmente.

Mas Não constitui um Precedente! Não! É uma Consequência da inquestionável ilegitimidade com que o governo e o “presidente” da República exercem as suas funções, criando um colossal fosso de desconfiança, com ambos de um lado, e as restantes instituições nacionais e a Comunidade como um todo do outro.

E esta Consequência, e outras que porventura venham a acontecer, por mais graves, até dramáticas, que possam ser, são da total responsabilidade deste governo e deste “presidente”!