sexta-feira, 31 de julho de 2015

Três Pilares Essenciais do Estado Totalitário

totalitarismo 1
O Acefalismo Humano dos Burocratas
O Acefalismo Democrático dos Deputados
O Acefalismo Político dos Militares
Três Pilares Essenciais do Estado Totalitário
  Vivemos hoje tempos de cólera. A instabilidade é global; os confrontos armados, cada vez em maior número e mais violentos, permanecem regionalizados. O Futuro que ansiamos afasta-se de nós, deixando-nos órfãos de Esperança.
  Esta realidade surge-nos como definitiva, nada mais importa para além do agora: vivemos na ditadura do imediato, esmagados pelo carácter cientificamente inquestionável do “A longo prazo estaremos todos mortos” (Keynes), “traduzido” por Margaret Thatcher num “There Is No Alternative” (“Não Há Alternativa”).
  O dilema humano do “Ser ou Não Ser” foi ultrapassado pela escolha “necessária” do “Ser ou Ter”, e esta vencida pela exigente urgência do “Consumir” – “Trabalha, Consome, Morre” é o lema que espelha a nossa realidade: “somos” enquanto capazes de produzir; "temos" enquanto capazes de consumir; “ganhamos” o estatuto de “descartáveis” se essas capacidades nos falharem, mesmo que tal seja uma imposição exterior a cada um de nós.
  Como chegámos aqui?
  Como poderemos construir uma outra realidade?
  Duas perguntas cruciais, e que demandam respostas individuais e colectivas. Individuais porque esta realidade afecta-nos tão profundamente que não nos é mais possível deixarmos que outros – sejam eles quem forem – pensem por nós, resolvam por nós, as nossas dúvidas, os nossos problemas. Colectivas porque cada vez mais as respostas que possamos dar (ou omitir) afectam quem está ao nosso lado, seja família, vizinho, profissional do mesmo ofício, cidadão.
  Como ponto de partida, entre muitos outros possíveis, para procurarmos respostas pertinentes, e que nos ajudem a imaginar um Futuro e a tentar construí-lo, voltemos à “instabilidade global”.
  São múltiplos os factos que afirmam, claramente, que a instabilidade está globalizada: Grécia, Brasil, Estados Unidos da América, Turquia, Médio Oriente, Ucrânia, Balcãs, Rússia, China, África, são exemplos concretos.
  Que têm em comum estes múltiplos exemplos? Os interesses económicos – os recursos naturais que são considerados indispensáveis ao “progresso e desenvolvimento” das sociedades – mas também, e sobretudo, os interesses financeiros.
  Ora, a bondade (chamemos-lhe assim) dos interesses económicos, na perspectiva da sua participação na construção de um Futuro melhor para todos, é manifestamente subvertida pela especulação financeira que, guiada pela “cientificidade” do “Não Há Alternativa”, limita a sua acção ao Presente, travestindo-o de uma “realidade última”*.
  Esta contradição – os interesses económicos, que necessitam de estabilidade para se desenvolverem; a especulação financeira, para a qual a instabilidade é um pré-requisito para o seu sucesso – está a ser resolvida a contento da especulação financeira, quer através do seu Poder próprio (a banca, as agências de rating, as bolsas), quer através do seu “braço armado” (o Poder militar), “regionalizando adequadamente” os confrontos armados (guerras “locais”), como meios de afirmação de algo como “Vejam o que vos pode acontecer se recalcitrarem e não cumprirem as nossas regras”, quer ainda no controlo efectivo de instituições nacionais e supranacionais que se reivindicam de democráticas.
  É nestas “regras” por si definidas (de acordo com as circunstâncias do momento) que a especulação financeira estrutura a instabilidade global que lhe é imprescindível para o seu sucesso, traduzido este no maior volume de ganhos possível. “Regras” essas que assentam em três (entre outros) pilares essenciais:
1. O Acefalismo Humano dos Burocratas. “É escandalosamente óbvio que a nossa Tecnologia excede a nossa Humanidade” disse Einstein há cerca de 70 anos.
Desde então, é enorme o avanço que conseguimos alcançar na Tecnologia, da Técnica, na Ciência, nas múltiplas áreas por onde se estende o Conhecimento.
Hoje, essa tremenda evolução criou as condições indispensáveis para que pudessem ser garantidos a todos nós a Dignidade e os níveis de Bem Estar que nos fazem, efectivamente, sermos Seres Humanos.
Mas não só: detemos já o Conhecimento, e os Instrumentos, que permitiriam sermos parte integrante e complementar da Natureza, numa parceria, também ela efectiva, de vivência cúmplice nesta Casa Comum a que chamamos Terra.
Não é, no entanto, isso que acontece. Se há seres humanos que exploram, humilham, ofendem, escravizam, matam outros Seres Humanos; se continuamos a assumir como propriedade nossa todos os outros seres não-humanos; se não cessamos de violar, degradar, exaurir, destruir, essa Casa Comum; é porque o Conhecimento, a Tecnologia, deixaram de estar ao serviço dos Seres Humanos para se servir deles.
Porquê?
Uma crucial razão é uma das “regras” da especulação financeira: para o seu desenvolvimento, para poderem avançar mais e mais na sua evolução, o Conhecimento e a Tecnologia necessitam de financiamento. Mas este só lhes é concedido “se, e só se” o retorno como lucro (o único critério que a especulação financeira reconhece como medida do seu sucesso) for assegurado, e no curto prazo. Melhor ainda, que esse retorno como lucro seja protegido, isto é, seja “concedido sem risco” ou “com o risco suportado por outrem”.
Esta “regra” é, por sua vez, reforçada com o “paradigma fundamental” da “competitividade”. De facto, a busca incessante desse financiamento conduziu à fragmentação dos Saberes e à preponderância de umas sobre outras Tecnologias: nos “eleitos” residem as “garantias mais fortes” de sucesso para o lucro imediato.
Esta divisão, provocada, entre as várias áreas do Conhecimento, e entre as várias áreas da Tecnologia, tem como consequências, por um lado, a sua submissão à especulação financeira, reconhecendo nesta um Poder superior a que devem obediência e, por outro, à sua desumanização, pela rejeição do primado do Ser Humano sobre os Instrumentos que cria.
É, na verdade, de Poder que estamos a tratar, da sua conquista, do seu exercício, da sua eficácia, da sua conservação. Um Poder que, residindo na especulação financeira, se hierarquiza em sucessivos níveis inferiores de Poder, neles colocando “espíritos sistemáticos e afeiçoados aos seus sistemas”**que, “ao pensar nos seus interesses…se ocupe[m] apenas dos nossos”**. Estes são os que hoje designamos por burocratas: seres dominados pelas “regras”, indefectíveis e acéfalos seguidores de ordens, esmerados guardiões do “sistema”, pois dele e para ele vivem em exclusividade.
A desumanidade com que o Povo grego tem vindo a ser tratado pelos diversos Poderes instituídos na União Europeia, sob o pretexto do “cumprimento de regras” (muitas delas ambíguas nas suas possíveis interpretações; outras de duvidosa existência), diz bem quão profundamente está instalado, e activo a vários níveis, o acefalismo humano dos burocratas que sustentam o actual “sistema” a que damos o nome de União Europeia.
2. O Acefalismo Democrático dos Deputados. Num Estado Democrático, ou em instituições supranacionais democráticas, eleições livres conduzem ao Poder representantes dos eleitores, do Povo, com a missão de governarem para e com o Povo.
Num Estado Democrático, ou em instituições supranacionais democráticas, o confronto de ideias, levado à prática com base efectiva e sólida no respeito mútuo entre todos os cidadãos, é crucial para que as escolhas que cada um de nós faça sejam conscientes, quer em si mesmas, quer nas suas consequências e correspondente assunção de responsabilidades.
Quando o actual primeiro-ministro, no início do seu mandato, afirmou na Assembleia da República ter constatado haver um “colossal desvio nas contas públicas”, aconteceu que:
  Ø O primeiro-ministro não se colocou na posição de chefiar um “governo de gestão” até ao adequado apuramento de responsabilidades e, simultaneamente, à identificação do grau de influência desse desvio no efectivo cumprimento do programa eleitoral que o tinha conduzido ao Poder;
  Ø Os deputados apoiantes do anterior governo não propuseram nenhuma acção que pudesse, eventualmente, ilibá-lo de quaisquer responsabilidades, ou suportasse uma, também eventual, confirmação de que tal desvio, a existir, não seria impeditivo do cumprimento desse programa eleitoral sufragado;
  Ø À Assembleia da República cabe a aprovação dos Orçamentos do Estado. Não há documento legislativo mais directamente ligado às Contas Públicas que um Orçamento do Estado. No entanto, e perante a grave afirmação do primeiro-ministro, a AR não tomou a única decisão justificável: a de se proceder a uma Auditoria Independente às Contas Públicas:
  Ø O sujeito político que desempenha o cargo de Presidente da República, a quem compete zelar pelo bom funcionamento das Instituições Democráticas, nada fez.
Nenhuma destas quatro atitudes é democrática.
Nenhuma destas quatro atitudes foi tomada tendo em conta os superiores interesses do Povo.
Recentemente, e na preparação das próximas eleições legislativas, o partido maioritário no actual governo publicou os “Critérios para a Selecção dos Candidatos a Deputados”. Nele pode ler-se que “os candidatos a deputados deverão também comprometer-se a renunciar ao mandato no caso de existir uma persistente divergência entre as orientações gerais do Grupo Parlamentar, e a sua posição individual, em ordem a salvaguardar o pleno cumprimento das opções programáticas com que o Partido se apresenta aos Portugueses e que esteve na base da sua própria eleição”.
Este “critério”, se seguido aquando das anteriores eleições legislativas (2011), teria deixado vazia a bancada parlamentar deste partido, pois nenhuma das “opções programáticas” com que o partido se apresentou aos Portugueses foi cumprida.
Por outro lado, revela uma evidente distorção democrática: a prioridade de um deputado não é representar o Povo que o elege, é obedecer às determinações, às ordens, do partido (do seu chefe). Um deputado passa, assim, a cumprir uma única função: a de dar “sustentação quantitativa” às decisões do chefe do partido.
Esta irrelevância dos deputados é a mesma dos euro-deputados, e tem como consequência imediata o desprestígio, a descredibilização, a irrelevância da Assembleia da República, tal como do Parlamento Europeu, este subalternizado, melhor, submetido à Comissão Europeia, ao Eurogrupo, ao Banco Central Europeu, entidades não eleitas nem sujeitas a nenhuma espécie de controlo democrático.
Este acefalismo democrático dos deputados coloca em instâncias burocráticas as decisões que, num Estado Democrático, competem aos representantes eleitos do Povo. Isto é, a burocratização tecnocrática do poder condicionante contido nas diversas áreas do Conhecimento e da Tecnologia, transforma esse poder em determinante, desumanizando-o.
Foi nesta situação de completa ausência de Democracia que foi imposto ao Povo grego um “acordo”, exclusivamente baseado em “regras” definidas pelo “sistema”, provando que para ele, “sistema”, e para os seus diversos níveis inferiores de poder (burocrático), os Seres Humanos são um empecilho, e, portanto, descartáveis.
3. O Acefalismo Político dos Militares. O fim último para o qual todos os militares se preparam, adquirindo todos os Saberes necessários, e o domínio de todas as Tecnologias disponíveis, é o confronto armado com um inimigo. Um confronto onde a Morte é soberana indiscutível: o militar tem que estar preparado para morrer e para matar.
O juramento que, individualmente, fazem traduz essa preparação, dura e dificílima, balizada por dois parâmetros fundacionais da sua acção: a defesa intransigente da Pátria e do Povo a que pertencem, e o sacrifício da própria vida se essa defesa assim o determinar.
Este juramento, assumido perante o Povo que juram defender, é uma exigentíssima opção política e humana.
A constatação de que, no actual Estatuto dos Militares das Forças Armadas, este juramento compartilha a sua existência como Lei com o Dever de “isenção política” não pode limitar-se ao registo de uma incompatibilidade insanável, nem ao assinalar uma incongruência inconstitucional.
Viver em comunidade com outros Seres Humanos, partilhando anseios, afectos, sonhos, contradições, um Presente que veio de um Passado comum e que ambiciona um Futuro também comum, exige de qualquer de nós a prática de múltiplas escolhas que relevam, e revelam essa vivência em comunidade, e que, por interagirem com as múltiplas escolhas de todos, são escolhas eminentemente políticas.
Isso mesmo reconhece a Declaração Universal dos Direitos Humanos. De facto, a sua identificação é inequívoca: só o pleno exercício desses Direitos faz de um Ser Humano um Ser Completo, Inteiro, Digno e Livre. E esses Direitos são, incontornavelmente, políticos.
Assim, retirar aos militares a capacidade de fazerem escolhas políticas, como o faz o actual EMFAR é, muito simplesmente, desumanizá-los. Mas a estes seres totalmente desumanizados – seres “coisificados”, transformados em meros “tecnocratas da violência” – é-lhes mantido, não somente o dever do sacrifício da própria vida, mas também, e com igual exigência, o poder de matar.
E são-lhes ministrados os Saberes adequados ao uso, no limite mortífero, das mais inovadoras Tecnologias para que possam exercer bem esse poder.
Acéfalos políticos, aos militares é, assim, “concedida” a capacidade de transformar a mais letal das Tecnologias no mais burocrático, sistémico e definitivo instrumento de resolução de conflitos, sendo eles mesmos, militares, parte integrante desse instrumento. O seu acefalismo político garante ao Poder superior ter à sua disposição um enorme poder coercivo, destrutivo, assustador, sempre pronto a obedecer, quaisquer que sejam as “regras” que circulem por todas as áreas do “sistema”.
  A instabilidade em que vive a União Europeia, e cada um dos seus membros, tem posto à prova o “sistema” em que estão inseridas estas três formas de acefalismo.
  Quanto aos dois primeiros – o acefalismo humano dos burocratas e o acefalismo democrático dos deputados (e euro-deputados) – o “sistema” demonstrou já ter adequadamente institucionalizados e operacionais os instrumentos de que necessita para o exercício eficaz do seu poder: o Tratado de Lisboa, o Tratado Orçamental, a Comissão Europeia, o Eurogrupo, o Banco Central Europeu. O “acordo” imposto ao Povo grego é disso indiscutível exemplo.
  No que respeita ao último – o acefalismo político dos militares – é pertinente considerar como um primeiro passo a constituição da EUROGENDFOR. Já institucionalizada, é um instrumento poderosíssimo, de largo espectro de acção. Ainda não foi efectivamente testado. Ainda…
  Claro que não podemos esquecer que o Poder superior que domina na União Europeia está a desenvolver todos os esforços para erguer umas Forças Armadas da “União Europeia”. Mas a facilmente reconhecida desunião política, social e humana dos Povos desta “União Europeia” torna imprescindível à construção dessas Forças Armadas o “cimento” da isenção política dos militares.
  O “juramento” que esses militares possam vir a fazer já não será perante o seu Povo (algo irrelevante, como ficou claro com o “acordo” imposto ao Povo grego), nem perante o “Povo Europeu” (que simplesmente não existe): será perante as Instituições burocráticas subordinadas ao Poder superior – financeiro, globalizado, especulativo, apátrida, amoral, desumano. Isto é, totalitário.
  A constituição dessas “Forças Armadas”, ou o uso prévio da EUROGENDFOR (para “levar ao redil” algum Povo “tresmalhado”), são os passos que faltam ser concretizados para que o totalitarismo europeu seja plenamente assumido.
*Seguindo o artigo “A direita radical encontrou o “fim da história” e chama-lhe “realidade””, de José Pacheco Pereira.
**Notas de Napoleão Bonaparte no “Príncipe”, de Maquiavel.