sexta-feira, 18 de março de 2016

Utopia



Ponto prévio – No que respeita a deus, há quatro espécies de seres humanos: 1) Os crentes pela positiva – acreditam num Deus; 2) Os crentes pela negativa – não acreditam num deus; 3) Os que se colocam na dúvida – acreditarão se lhes for apresentada prova da existência de um deus; não acreditam sem essa prova, mas…; 4) Aqueles cujo caminho não passa, de forma nenhuma, pelo divino: é tão difícil, tão trabalhoso, andar de pé, respeitar-se a si próprio e aos Outros, que não cedem essa tarefa seja a quem for, como única forma de serem eles próprios a fazerem as suas escolhas ao longo da Vida, a assumir as responsabilidades por essas escolhas, e pelas consequências delas, em si e nos Outros, rejeitando atribuí-las a outrem – humano, não-humano, supranatural.

  Incluo-me no quarto tipo, com todos os meus medos, mitos, fantasmas, contradições.
  Posto o que vou tentar dar um contributo para o desafio que o João colocou, sabendo que tal desafio daria para “várias teses de doutoramento”.
  Todas as ideologias, incluindo as religiosas, emanam dos Seres Humanos, na sua procura, individual e colectiva, da Felicidade. Sendo os Seres Humanos seres Co-existentes (existem Com o Outro; não sós, não sobre o Outro; não sob o Outro; não contra o Outro), a sua co-existência apresenta-se sob a forma de complementaridade e solidariedade entre todos, e de usufruto dos recursos que a Natureza possui. Neste sentido, a co-existência complementar e solidária assume extrema diversidade.
  Esta multi-diversidade, exigentíssima nas suas inter-relações, impõe-nos que, no pensar e no agir, tenhamos que procurar caminhos que não fiquem só por identificarmos causas e efeitos. De facto, é-nos imprescindível aceitarmos que há causas que são efeitos que são causas que são efeitos: a multi-diversidade é irmã gémea da multiplicidade “em rede”, em que não há O problema, A solução, O caminho, mas sim problemas, soluções, caminhos.
  É uma tarefa hercúlea, individual e colectivamente. O não a enfrentarmos em toda a sua extensão, formas e consequências, conduz-nos a uma situação de múltiplos conflitos. Por exemplo:
1.       Depois da consolidação do domínio do homem sobre o homem, o homem apoderou-se da Natureza como se fosse sua propriedade, devastando-a em seu proveito, rejeitando a complementaridade inicial. No entanto, a Natureza não precisa do Ser Humano, mas o Ser Humano precisa da Natureza. Isto é, prolongando-se o actual conflito Seres Humanos/Natureza, não será o homem que sairá vitorioso.
Se as ideologias, incluindo as religiosas, são uma construção dos Seres Humanos, elas, por sua vez, conduzem os Seres Humanos à sua construção, individual e colectiva. Estas construções, se entendidas como bi-unívocas, demandam um permanente diálogo entre ambas as partes – a construção da ideia, a ideia que constrói – numa multiplicidade de inter-relações dentro da multi-diversidade de situações, causas e efeitos que ultrapassa a dialéctica (na perspectiva de relação de opostos): a dialógica impõe-se como via para escolhermos caminhos que sejam soluções para problemas que são soluções que conduzem a outros caminhos. Este dificílimo diálogo, conjugado com o permanente domínio do homem pelo homem, foi abandonado, e substituído pela politização das ideologias, incluindo as religiosas, como forma de impor os1.       caminhos que os Seres Humanos, individual e colectivamente, deverão percorrer. Este abandono da dialógica, privilegiando a dialéctica, transferiu o Poder do todo colectivo para apenas uma parte desse colectivo: o domínio do homem pelo homem é exercido pelo mais forte. A ideologia dominante suporta a conquista do Poder, o seu exercício, a sua manutenção. Na sua versão “mais suave”, a Democracia, o Poder é exercido “para o Povo e pelo Povo”, mas “lembrando-se de se esquecer de ser Com o Povo.
2.       A multi-diversidade e a multiplicidade de inter-relações que definem os Seres Humanos, individual e colectivamente, determina a obrigatoriedade de defendermos, e praticarmos, o Direito à Igualdade entre todos os Seres Humanos. No entanto, é imperioso que antes dessa defesa e prática, sejamos capazes de cumprir o extremamente difícil Dever do Reconhecimento da Dignidade da Diferença. O domínio do homem pelo homem, e a sua hierarquização política (incluindo a religiosa),impõem que as diferenças sejam exacerbadas, usando-as como um (mais um) instrumento de conquista, exercício e manutenção do Poder.
  O Ser Humano é um Ser solidário, que faz da complementaridade entre todos e com a Natureza, e do usufruto (não posse) dos recursos comuns, a sua maneira de Co-existir. Estamos muito longe de alcançarmos esta Utopia.
  Mas vale a pena continuar a lutar por ela! Mesmo sabendo que “o outro lado” tem uma força desmesurada, que usa sem pudor para defender os seus interesses, o seu domínio.
  Temos que seguir o exemplo das Mulheres que, por entre vitórias e derrotas, lutam há milénios por essa Utopia, sem desistirem!