sábado, 24 de setembro de 2016

                  “Ratings” e “Mercados”: e Nós?

  Nos órgãos de comunicação social têm sido constantes as referências a agências de “rating” e aos mercados, e à forma como o governo, e o país (nós!) se relaciona, ou deve relacionar com ambos.
  Antes de apresentarmos uma perspectiva de análise de cada um destes actores (financeiros, económicos, políticos, sociais), uma breve reflexão sobre os órgãos de comunicação social, sobre o que nos dizem, lendo-os, ouvindo-os, vendo-os.
  Um primeiro ponto respeita à Liberdade de Expressão. É um Direito inalienável, conquistado pelo 25 de Abril. E por sê-lo, contém em si o Direito ao Contraditório, assegurado por Lei, e exigido pela Ética no exercício dessa Liberdade. Esta, por sua vez, impõe, por um lado, a objectividade e imparcialidade da notícia e, por outro, a assunção da subjectividade do comentário e da opinião.
  Assumir a subjectividade do comentário e da opinião demanda que o que se escreve seja terminado com a assinatura de quem escreve, ou o que se diz seja suportado pela voz e pelo rosto de quem afirma. A relevância e a credibilidade do que é escrito ou dito é, pois, refém do reconhecimento que possamos atribuir a quem escreve ou diz algo, independentemente de concordarmos ou discordarmos desse algo.
  Já quanto à objectividade e imparcialidade da notícia podemos constatar que não estão minimamente garantidas. De facto:
1.      Misturar no mesmo texto, escrito ou dito, a notícia com um seu comentário, é uma prática demasiado frequente para que possamos considerar estarmos perante uma informação objectiva e imparcial, mesmo se assinado, ou dito, por alguém que, dessa forma, pretenda dar credibilidade à notícia.
2.      Retirar da informação que se quer transmitir um aspecto específico, uma frase, é já uma escolha – isto é, uma subjectividade – de quem escreve, ou diz, essa informação.
3.      Sequenciar as informações que se querem transmitir (ao longo de um telejornal, na paginação de um jornal, em cada página, …) é, também, uma escolha, uma subjectividade.
4.      A própria selecção de informações a transmitir, relevando umas, secundarizando outras, omitindo ainda outras, nada tem de objectividade, nem de imparcialidade.
  É neste contexto que nos devemos relacionar com o que lemos, vimos e ouvimos nos órgãos de comunicação social. Não assegurando a objectividade e a imparcialidade, os órgãos de comunicação social são manipulados pelos diversos actores (financeiros, económicos, políticos, sociais) que desejam ver transmitida a sua informação mas, simultaneamente, manipulam esses mesmos actores (no fundo, todos nós), no sentido de aceitarem como objectiva e imparcial a informação que é escolhida ser transmitida.
  É imperioso que todos sejamos capazes de ver, ouvir e ler com a capacidade crítica que é imprescindível ao exercício da Liberdade de Expressão, pois esta não contém apenas o Direito ao Contraditório: só se torna verdadeiramente efectiva quando sustenta uma escolha consciente, livre e subjectiva de cada um de nós.
  Com este “pano de fundo”, como podemos analisar as acções das agências de “rating”?
  Comecemos por uma pergunta impertinente: o que é uma agência de “rating”?
  - Uma Instituição estatal? Não!
  - Uma Organização Não Governamental? Não!
  - Uma Instituição Pública de Serviço Social? Não!
  - Um Departamento de Investigação de uma Universidade? Não!
  - Um Departamento da Organização das Nações Unidas? Não!
  - Uma Empresa Privada? Sim!
  Sendo uma Empresa Privada, uma agência de “rating” tem como seu objectivo crucial, senão único, gerar os lucros adequados à satisfação dos seus accionistas.
  Será que esta Empresa Privada produz, em quantidade e qualidade, os bens necessários para que ao valor acrescentado conseguido venha a corresponder o lucro desejado? Não, a agência de “rating” não produz bens, produz “pareceres”.
  Pareceres que são o resultado de avaliações, de carácter económico e financeiro, de empresas e de Estados, e que concluem por uma opinião sobre o modo como a empresa, ou o Estado avaliado interage, e deve interagir, com os diversos actores financeiros, económicos, políticos e sociais, nas suas múltiplas e diversas inter-relações que compõem o mundo de hoje, a que chama “mercados”.
  Acontece que os critérios, os instrumentos e os autores dessas avaliações não são conhecidos. Se “os mercados” fossem livres – isto é, todos os seus actores concorressem entre todos, sem “atropelos éticos” – e tendo em conta o velho ditado “O segredo é a alma do negócio”, seria, eventualmente, compreensível (embora ainda inaceitável) esse desconhecimento.
 No entanto, as conversações ultra-secretas que decorrem quanto ao Transatlantic Trade and Investement Partnership (TTIP), ao Investor-State Dispute Settlement (ISDS), ao Comprehensive Economic and Trade Agreement (CETA), dizem-nos claramente que “os mercados” não são livres: há regras a cumprir.
  Regras a cumprir por todos os actores que intervêm nos “mercados”, em pé de igualdade – as regras são as mesmas para todos, todos são iguais perante as regras. Mas se assim for, haverá efectivas perspectivas de lucro para uma agência de “rating”? E porventura havendo, não serão débeis demais para satisfazer os seus accionistas?
  Como ultrapassar esta indesejada “carência de resultados”?
  Se formos um pouco mais fundo, constataremos que há actores e actores, isto é, há protagonistas e figurantes. E são os protagonistas que fazem as regras para os figurantes cumprirem, numa “adequada flexibilidade legislativa” ou, dito de outro modo, uma “necessária instabilidade” (financeira, económica, política, social) que permita a produção de “imprescindíveis pareceres”, plenos de “fundadas avaliações”, e de “ponderadas e judiciosas conclusões”, contendo “incontornáveis soluções”. Ah, e garantindo “firmes perspectivas de lucro”…para os protagonistas (neles incluindo as agências de “rating”, claro!).
  É esta situação que é designada por “mercados”. E o que ficou dito é uma expressão suave para traduzir o modo como um seu dilecto representante os definiu – “Os mercados são amorais” – confirmando que em todas as suas acções, omissões, e inter-acções, os Valores, os Princípios, a Ética, são desprezados, pois apenas contam os Interesses, pessoais e de grupo. E se daquela “necessária instabilidade” puderem surgir conflitos de Interesses entre os protagonistas, serão dirimidos pela força, uma vez que apenas “o mais forte tem direito á liberdade”.
  Uma agência de “rating” é uma empresa privada que age em exclusivo nome desses interesses: os resultados financeiros, económicos, políticos e sociais “aconselhados” nos seus “pareceres” são aqueles que correspondam à obtenção do máximo lucro para os seus accionistas, independentemente dos resultados a que cheguem os seus avaliados.
  É aqui que os órgãos de comunicação social nos informam, com palavras mais ou menos claras, mas sem margem para dúvidas, que todos nós, cidadãos supostamente livres e inteiros deste país supostamente soberano e independente, nos devemos situar.
  Sejamos, então, impertinentes, e perguntemos:
  - Se pertencemos aos “mercados”, e os “mercados” são amorais, nós também devemos ser amorais?
  - Se não devemos ser amorais, podemos sair dos “mercados”?
  - Se não somos amorais mas não pudermos sair dos “mercados”, somos “promovidos” a escravos?
  - Se não pertencermos aos “mercados” por não sermos amorais, por que razões temos de suportar as perdas de lucro e as falências dos “mercados”?
  - Se nos é imposto pertencer aos “mercados”, quando um militar jura “o sacrifício da própria vida”, faz esse juramento em nome de uma…amoralidade?
  - Se esse juramento é feito em nome de uma amoralidade, será ainda possível falarmos de militares, da condição militar, de forças armadas?
 
 
 
 
 



À data do 25 de Abril de 1974, o povo português era um povo empobrecido e oprimido por um regime ditatorial fascista, suportado num forte aparelho policial repressivo. A resistência clandestina e as actividades a favor da democracia e da liberdade eram perseguidas e havia centenas de pessoas nas prisões. O país, um dos mais atrasados da Europa, encontrava-se exaurido por 14 anos de guerra colonial em três frentes: Guiné, Angola e Moçambique. Isolado pela comunidade internacional-em particular nas Nações Unidas, onde se afirmavam os princípios da autodeterminação e libertação de todos os povos do Mundo, expressos na Carta- Portugal encaminhava-se teimosamente para um desastre de proporções catastróficas.

Foi neste contexto que aconteceu o 25 de Abril de 1974, uma acção de jovens militares a que a povo português aderiu de forma entusiástica. Esta adesão espontânea, forte e determinada, acolheu esperançosa o Programa do Movimento das Forças Armadas, dando início à transformação radical da situação política, social, humana, do país. As liberdades fundamentais foram restauradas; a polícia política (a responsável única pelas mortes ocorridas nesse dia) foi extinta; os presos políticos foram libertados; a censura foi abolida; as estruturas fascistas foram desmanteladas.

O Futuro por que todos ansiávamos – uma sociedade mais justa, mais fraterna, que reconhecemos como nossa, onde nos sentimos livres e inteiros – podia começar a ser construída por todos nós.

Assim, no período que mediou entre o 25 de Abril de 1974 e a tomada de posse do 1º Governo Constitucional em 23 de Julho de 1976, coube aos Governos Provisórios, Governos sob a responsabilidade do Poder Revolucionário, a dificílima e dura tarefa de concretizar os objectivos do PMFA, obviamente dentro dos limites da sua própria condição.
O primeiro Governo Provisório foi presidido por Adelino da Palma Carlos.
Vasco Gonçalves, militar de Abril, presidiu a 4 (dos 6) Governos Provisórios, no período compreendido entre 17 de Julho de 1974 e 19 de Setembro de 1975 (II,III,IV e V), sendo este o período mais criativo e intensamente revolucionário da nossa Revolução.
O 6º Governo Provisório foi presidido por Pinheiro de Azevedo, também militar de Abril.

Foi neste período que assistimos às grandes transformações democráticas da sociedade portuguesa, e ao reconhecimento de direitos fundamentais dos cidadãos; às nacionalizações dos sectores básicos da nossa economia colocando-os ao serviço do povo e do país; à Reforma Agrária, entregando a terra aos trabalhadores agrícolas, o que significou o aumento brutal da área cultivada e da produção agrícola e pecuária, com a criação de milhares de postos de trabalho, que praticamente acabaram com o desemprego por todo o Alentejo e muitos outros avanços civilizacionais tais como: a instauração da democracia com eleições livres e a consagração do direito de voto aos 18 anos; a democratização do ensino e do acesso à cultura; a criação do Serviço Nacional de Saúde; o direito de associação e participação; o direito de manifestação e protesto; o direito a férias pagas; a redução do horário de trabalho; a criação do salário mínimo nacional. Em suma, as transformações a que chamamos Conquistas da Revolução.

A constituição da República Portuguesa de 1976,que em 25 de Abril comemora 40 anos da sua entrada em vigor, também ela uma conquista da nossa revolução, incorpora no seu texto os valores que nortearam os militares do MFA, expressos no seu Programa, valores que o povo reconhece também como seus.
A CRP de 1976, incorpora também todas as conquistas do processo revolucionário que, impulsionadas por um poderoso movimento popular, em pouco mais de 500 dias, mudaram radicalmente a sociedade portuguesa.
Seja-me permitido daqui lançar um apelo às novas gerações para o estudo e reflexão deste magnífico período da nossa história colectiva, porque nele encontrarão seguramente ensinamentos preciosos para a construção dum futuro melhor.
A CRP de 1976, incorpora ainda os ganhos civilizacionais da Humanidade que os constituintes entenderam nela plasmar.

A simples leitura do seu preâmbulo, que sobreviveu a todas as revisões constitucionais, nos diz isso mesmo:
cito
“A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do País.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa.”

fim de citação.


A CRP de 1976 foi sujeita a sete revisões constitucionais.

Em todas as revisões, foram feitas alterações importantes, algumas necessárias face às mudanças conjunturais, mas, o que não pode nem deve ignorar-se, todas no sentido de permitirem o condicionamento ou mesmo a liquidação de conquistas importantes da nossa revolução. Apesar disso a Constituição da República Portuguesa, na sua 8ª versão, ainda é a Constituição de Abril e nela se encontram garantidos direitos fundamentais como aqueles que atrás referimos e muitos outras conquistas da nossa revolução:

O direito à saúde
O direito a habitação condigna
O direito à cultura física e ao desporto
O direito à liberdade e segurança
O direito ao trabalho com direitos
Liberdade sindical
O direito à greve
A liberdade de expressão e pensamento
A liberdade de imprensa
A liberdade de consciência, religião e culto
Liberdade de criação cultural
Direito de reunião e manifestação
Liberdade de associação
Direito ao Ambiente e qualidade de vida


No entanto, o documento actual, ainda que desfalcado de conquistas importantes da Revolução de Abril, é ainda a Constituição de Abril e, por isso mesmo, os adversários de Abril, declarados ou encapotados, fogem ao seu cumprimento.

Mesmo tendo jurado cumpri-la e fazê-la cumprir.

Os atentados aos direitos constitucionalmente garantidos, que nos últimos anos assumiram proporções dramáticas para a qualidade de vida dos cidadãos, com o roubo de salários e pensões e todo um sem número de cortes nos apoios sociais, bem como o aumento da precaridade no emprego e a falta de condições de vida digna e de trabalho para os jovens, não cabem nos sonhos do país que fez Abril, o Abril que ainda vive na nossa Constituição.

Como também não cabem os atentados à nossa soberania nem a subserviência transformada em sinal de bom comportamento às ordens da agiotagem internacional.

Não tenhamos dúvidas: são atentados contra os valores da Liberdade, da Solidariedade, da Dignidade, da Humanidade. Quem os comanda e quem os pratica apenas reconhece interesses, pessoais e de grupo, servindo-se de todos os meios, mesmo os mais ignóbeis, e de todos os instrumentos, mesmo os mais letais, para os defenderem e imporem.

É, por isso, imperioso continuarmos a lutar pelos valores que o 25 de Abril traduz, e a Constituição da República consagra, honrando quem por eles lutou antes de nós, e assumindo o compromisso de legarmos aos nossos Filhos um país onde se sintam seres humanos inteiros, livres, dignos, e não meros instrumentos ao serviço dos interesses de uma muito restrita minoria que sistematicamente tem demonstrado repudiar todos e quaisquer valores.


Viva o 25 de Abril.
Viva Portugal.