segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

26º Aniversário da AOFA 

INTERVENÇÃO DO PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA GERAL Capitão de Mar-e-Guerra António Almeida de Moura Trafaria, 10 de Novembro de 2018 

  Comemoramos o 26º Aniversário da Associação de Oficiais das Forças Armadas. Num acto com esta solenidade importa relevar que comemorar é uma acção que reconhece e respeita um Passado de onde viemos, que cumpre e defende neste Presente concreto, e que em ambos alicerça a construção de um Futuro que todos desejamos e em que nos possamos reconhecer de corpo Inteiro.   Do Passado herdámos a luta constante por vermos reconhecidos, respeitados e defendidos os Valores que assumimos como Nossos e que se tornam substantivos a partir do momento em que cada um de nós afirma, perante o Povo a que pertencemos, o Juramento de Bandeira: “Juro, como português e como militar, guardar e fazer guardar a Constituição e as leis da República, servir as Forças Armadas e cumprir os deveres militares. Juro defender a minha Pátria e estar sempre pronto a lutar pela sua liberdade e independência, mesmo com o sacrifício da própria vida.”   Valores que praticamos, como a Disciplina; que cumprimos, como a Obediência; que construímos, como a Coesão. Nenhum deles resulta de qualquer axiologia, teleologia ou axioma hermenêutico transformado em Lei. Todos eles são Vividos por cada um de nós, e por todos. Só assim o poder letal, o Poder definitivo que temos nas mãos, é colocado ao serviço do Povo Soberano a que nos orgulhamos de pertencer, e não submetido a qualquer outro Poder.

   No Presente vivemos tempos conturbados, instáveis, inseguros, perigosos. Tempos de medo: do hoje, da mudança, do amanhã. Mas este medo que sentimos não nasce apenas dentro de nós. Ele é-nos imposto do exterior, do Outro, dos Outros, do Diferente, mas sobretudo de um qualquer Poder, do Poder.   E esse medo chega-nos não apenas por tudo o que cada um de nós sente, mas acima de tudo pelas Palavras que ouvimos, que lemos, pelas imagens que vemos a acompanhar essas Palavras.   Palavras que nos dizem que precisamos de segurança – e apresentam-nos todo o tipo de demónios causadores da nossa insegurança. Palavras que nos dizem que precisamos de controlo – e alertam-nos para todo o tipo de armadilhas, de emboscadas, de obstáculos, de falsidades, a que somos obrigados a prestar atenção, sob pena de nos perdermos. Palavras que nos dizem que “Não Há Alternativa” a este Presente, que lutar por mudar o que está mal é um risco que não podemos correr porque o resultado será pior.   Somos militares. E como militares assumimos o sacrifício da própria Vida para disciplinadamente, obedientemente, e coesos, defendermos os Valores que reconhecemos como Nossos, em que nos revemos. E se sacrificamos a própria Vida se necessário for, também matamos outros Seres Humanos se necessário for.   Esta Humana Condição do Militar que somos exige, incontornavelmente, imperiosamente, que as Palavras que lemos, que ouvimos, sejam claras, rigorosas, não susceptíveis de múltiplos significados.  A AOFA tem lutado, luta, e continuará a lutar para que assim aconteça.   Vivemos num Estado Democrático e de Direito, onde o Poder Militar se subordina ao Poder Político. Nesta hierarquia de Poderes, é Dever do Poder subordinado – o Militar – apresentar ao Poder subordinante – o Político – de uma forma pertinentemente fundamentada, todas as questões que demandem uma decisão desse Poder subordinante. Esta decisão é indivisível e indelegável, o que só tem um significado: a responsabilidade por ela, e pelas consequências que dela possam resultar é desse mesmo Poder.   No entanto, temos constatado que ao longo dos anos, as Palavras da AOFA – as Nossas Palavras – têm-se confrontado com as Palavras do Poder subordinante. Desde as questões relacionadas com a Assistência na Doença aos Militares, com o Instituto de Apoio Social das Forças Armadas, com o Hospital das Forças Armadas, com as carreiras, com os incentivos aos Regimes de Contrato e de Voluntariado, com os não incentivos ao Quadro Permanente, são múltiplas as dúvidas que persistem e a não assunção de responsabilidades por parte do Poder subordinante.   Um exemplo: para o Parlamento Europeu, um militar é um cidadão em uniforme. Para a Lei Orgânica do Ministério da Defesa Nacional, um militar deixou de ser uma pessoa para passar a ser um recurso. Dado que um recurso é algo que é acrítico, acéfalo, autómato, aquela Lei significa que o Poder subordinante assume total e absoluta responsabilidade por quaisquer actos praticados, ou omitidos, por aquele recurso?   Será este “apenas” um jogo de Palavras? Ou será, efectivamente, um jogo de Poder?   Um Acórdão, de 2017, do Tribunal Constitucional talvez nos possa ajudar a situar melhor esta dúvida.   Esse Acórdão, após basear os seus argumentos em “axiologias e teleologias distintas”, e ainda num “axioma hermenêutico segundo o qual há uma incindível relação de “codeterminação dialéctica”… entre as leis e as palavras que as integram”, afirma: “Nada, por isso, mais natural do que a eventualidade de as mesmas palavras significarem coisas diferentes em leis diferentes.”   Perante esta afirmação, como devemos entender o Juramento que fazemos de “guardar e fazer guardar a Constituição da República”, quando o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas jura “defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa”?   Ou entender o facto de, se todos os militares – do Quadro Permanente, do Regime de Voluntariado, e dos Regimes de Contrato – fazem o mesmo Juramento perante o Povo Português, e havendo um “Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar nos Diferentes Regimes de Contrato e no Regime de Voluntariado”, não há incentivos aos militares do Quadro Permanente?   E se a essa efectiva diferença de incentivos corresponderem, consciente ou inconscientemente (a nível individual e colectivo), diferentes concepções das condições de prestação do serviço militar, como podemos afirmar, e garantir, que a Disciplina se pratica, que a Obediência se cumpre, Que a Coesão se constrói?   Ainda um jogo de Palavras?   Os militares juram a sua Vida perante o Povo Soberano. O Presidente da República jura a sua Honra perante a Assembleia da República. O Governo jura a sua Lealdade perante o Presidente da República.   Quando um membro do Governo afirma que “o compromisso maior do Governo é perante as regras da zona euro e da União Europeia”; e quando o Governo constitui a componente Executiva do Poder Político subordinante do Poder Militar, perante quem, de facto, os militares juram o sacrifício da própria Vida?   Será que os compromissos Políticos assumidos – que são escolhas! – se sobrepõem à Soberania do Povo – que é constitucionalmente imperativa?   A defesa da Soberania do Povo impõe aos militares um absoluto apartidarismo, não apenas em relação a partidos políticos, mas também sob as perspectivas étnicas, sociais, religiosas, culturais, económicas, de género.

   Por isso, os militares lutam por Valores, a começar pelo Reconhecimento, Respeito, e Defesa da Dignidade de cada Ser Humano que integre a comunidade a que orgulhosamente pertencemos, o Povo Português.   Por isso, é um Dever Militar, crucial, a recusa em defender interesses, sejam individuais ou de grupo. Dito de outra forma, é um Dever Militar recusar participar em jogos de Poder.   Assim o Poder Político, subordinante do Poder Militar, assuma como seu efectivo Dever o Reconhecimento, Respeito e Defesa da Dignidade dos Militares.   As lutas que a AOFA tem vindo a travar são uma afirmação de que os Oficiais das Forças Armadas não abdicam dessa Dignidade.

VIVA A ASSOCIAÇÃO DE OFICIAIS DAS FORÇAS ARMADAS!

VIVAM AS FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS!

VIVA PORTUGAL!

sábado, 19 de maio de 2018

Discurso de Tomada de Posse do Presidente da Assembleia-Geral da AOFA 
Capitão de Mar-e-Guerra António Almeida de Moura 
( 5 de Maio de 2018 ) 

“Juro, como português e como militar, guardar e fazer guardar a Constituição e as leis da República, servir as Forças Armadas e cumprir os deveres militares. Juro defender a minha Pátria e estar sempre pronto a lutar pela sua liberdade e independência, mesmo com o sacrifício da própria vida.”

  Vivemos tempos conturbados, incertos, inseguros, instáveis. Perigosos.
  Como deveremos – todos, e não apenas os militares – entender, interiorizar, cumprir este Juramento?
  Uma primeira, e determinante, constatação é que este Juramento é feito individualmente. Isto quer dizer que é uma escolha que cada militar conscientemente faz, assumindo, com coerência as consequências dessa escolha até ao “sacrifício da própria vida”.
  Igualmente determinante é essa escolha ser publicamente assumida perante o Povo que cada militar jura defender.
  Com estas duas constatações presentes, importa abordar algumas questões que nos permitam encontrar resposta à pergunta inicial.
  Primeira questão. Cada um de nós, como Seres Humanos, se apresenta perante si próprio, e perante o Outro, os Outros, como sendo constituído por múltiplas identidades – sociais, culturais, genéticas, religiosas, familiares, profissionais. A relevância que cada um de nós atribui, e pratica, a cada uma dessas identidades expressa a nossa maneira de Estar e de Ser,
como resultado do modo como nos vemos, e desejamos que nos vejam, dentro da comunidade em que vivemos, e que reconhecemos como nossa. No entanto, o Juramento que cada militar faz impõe uma escolha limite: o sacrifício da própria vida secundariza definitivamente todas as outras identidades, incluindo a familiar. De facto, um militar é Filho, é Pai, é Irmão, mas estas identidades são ultrapassadas pelo seu Juramento.
  Segunda questão. O Juramento é feito perante todo o Povo. Este facto só tem uma interpretação possível: o Juramento é incompatível com qualquer tipo de discriminação, seja ela política, económica, religiosa, étnica, cultural, de género. Dito de outra forma, o “apartidarismo” que cada militar assume nesse Juramento não é apenas político, é total.
  Terceira questão. Cada militar tem nas mãos um Poder definitivo: o da morte. E se, por um lado, a sua morte é, no limite, assumida como “sacrifício da própria vida”, por outro lado, a defesa do Povo impõe, como limite, o matar outro Ser Humano.
  Estas três questões – exigentíssimas escolhas políticas e humanas – demandam uma sustentação inequívoca, poderosa, incontornável, em Valores não apenas reconhecidos como exteriores a si, mas Valores que cada militar interioriza como seus, isto é, nos quais e através da prática dos quais, se reconhece como Ser Humano Inteiro e Digno.
  Assim, e constatando que a identidade profissional secundariza todas as outras identidades, é imperioso encontrar os Valores profissionais que estejam sempre presentes na práxis militar, no cumprimento de qualquer missão.
  Estes Valores são três – Disciplina, Obediência, Coesão. Como Valores que são, não dependem das palavras por que possam ser inscritos num qualquer diploma ou lei. De facto:
- A Disciplina pratica-se. E pratica-se pela partilha em três níveis: entre pares; de subordinados para com superiores; de superiores para com subordinados.
- A Obediência cumpre-se. E cumpre-se não por imposição superior, mas por partilha das razões que sustentem a sua prática consciente.
- A Coesão constrói-se. Uma construção que só é efectiva quando concretizada e partilhada a todos os níveis.
  O que torna estes Valores profissionais em Valores humanos, o que os une para responder àquelas exigentíssimas escolhas é a sua partilha consciente entre todos os militares, sem excepção e sem diferenças de procedimentos ou prerrogativas.
  É esta assunção que, assentando no Reconhecimento, no Respeito e na Defesa recíprocos entre todos os militares como protagonistas reais e conscientes daqueles três Valores, permite que as Forças Armadas, como um todo, estejam permanentemente disponíveis para afirmar, e cumprir, o Juramento que fazem.
  Mas sendo as Forças Armadas detentoras desse Poder definitivo – morrer e matar – é crucial que se subordinem a um Poder superior, um Poder onde resida a vontade do Povo perante quem os militares afirmam o seu Juramento. Esse Poder superior é, num Estado Democrático e de Direito, o Poder Político.
  Resultando da expressão livre e democrática do Povo, através de eleições, o Poder Político – Governo, Assembleia da República, Presidente da República – assume o Poder subordinante do Poder definitivo que as Forças Armadas, os militares, detêm.
  No entanto, esses mesmo Poder Político depende, como expressamente impõe a Constituição da República, da “vontade soberana do Povo”. Quer isto dizer que o Poder Político não é substituto do Poder soberano do Povo. Dito de outro modo, a legitimidade para o exercício do Poder que resulta de eleições livres e democráticas não é ilimitada.
  Mais, a Autoridade para o exercício do Poder como consequência de eleições livres e democráticas, tem de ser Reconhecida, Respeitada e Defendida pela sua práxis concreta. Reciprocamente, sendo inquestionável que a Autoridade (qualquer tipo de Autoridade) é, sempre, indivisível e indelegável, é imperioso que o seu primeiro, e permanente, acto seja o de Reconhecer, Respeitar e Defender quem, de algum modo, se subordina a essa Autoridade. Sem o cumprimento constante deste acto fundacional, estaremos sempre em presença de uma qualquer forma de imposição, seja autoritarismo, seja ditadura.
  Uma Autoridade que impõe o seu Poder não gera Disciplina, nem Obediência, nem Coesão. Pelo contrário, gera subserviência, servilismo, fuga às responsabilidades. E revolta, para todos quantos, não abdicando da
prática e defesa dos Valores em que se revêem e reconhecem como seus, individual e colectivamente, os vêem desrespeitados e ofendidos.
  Importa relevar, no que aos militares especialmente respeita, que o Estatuto de Roma – que cria o Tribunal Penal Internacional, que define o que são os Crimes de Genocídio, os Crimes de Guerra, os Crimes contra a Humanidade, e que Portugal ratificou – impõe a “Responsabilidade criminal individual” para quem seja arguido num desses crimes (Artigo 25º); mas também a “Responsabilidade dos chefes militares e outros superiores hierárquicos” de quem for arguido nesses crimes (Artigo 28º); e ainda a “Decisão hierárquica e disposições legais” que situa o nível hierárquico da responsabilidade da decisão (Artigo 33º).
  Consideremos o Poder de Decisão, não divisível nem delegável, e consequente Responsabilidade, em dois exemplos de missões atribuídas a militares:
Primeiro: Uma missão de salvamento no mar. Perante a missão que lhe é cometida, o militar responsável pelo seu cumprimento avalia os meios materiais e os instrumentos que são colocados à sua disposição, e informa o seu superior hierárquico de que há deficiências, ou insuficiências, ou ambas, que, a não serem colmatadas, constituirão um risco de gravidade acrescida, pondo em causa o cumprimento da missão, e criando condições para a possibilidade real de os salvadores também virem a ser vítimas. A que nível hierárquico se situa a responsabilidade pelo que possa, de negativo, acontecer? Apenas dentro da hierarquia militar, significando isso que o Poder de Decisão sobre que missões são para cumprir reside nela e não no Poder Político? Ou o Poder Político, como Poder subordinante, mantém o Poder de Decisão mas, de uma forma pequenina e triste, passa a Responsabilidade dessa decisão para o Poder subordinado?
Segundo: actualmente são múltiplos, e por todo o mundo, os confrontos armados. Em muitos deles constatamos que um dos lados do confronto se serve de civis como “escudo humano”, ou mesmo de crianças com 9, 10 anos como “força avançada”. Tem sido veemente, por parte de governos, instituições e órgãos de comunicação social, o repúdio e a condenação de tais actos. Havendo Forças Nacionais Destacadas em territórios onde estes factos acontecem, este repúdio e esta condenação significam que os nossos militares não podem agir contra esses alvos, mesmo correndo o risco de serem vítimas de emboscadas e, por isso, de serem mortos, feridos, feitos
prisioneiros? Ou, pelo contrário, se confrontado com uma criança de 10 anos armada com uma arma que pesa quase tanto como ela, o militar deve abater esse “inimigo”, para não pôr em risco o cumprimento da missão? Quem define as circunstâncias, a proporcionalidade da força a ser usada, e contra quem, são os militares no teatro de operações? A hierarquia militar, isto é, o Poder subordinado? Ou o Poder Político subordinante?
  Os tempos conturbados, incertos, inseguros, instáveis, perigosos, que estamos a viver têm-nos dado fartos exemplos de decisões dos Poderes Políticos de todo o mundo à revelia dos Valores que identificámos como cruciais para o exercício do Poder definitivo que é o Poder Militar. Ou será que a “regra crucial” que deve presidir à tomada de decisão é “O que nós fazemos é necessário, adequado, e justifica-se. O que os Outros fazem não tem justificação credível, podendo até configurar-se como um crime”?
  Urge que todos nós tenhamos consciência de que não podemos absternos, por ignorância, desleixo, indiferença, ou intenção, de enfrentarmos estas questões. Disso depende a reciprocidade do Reconhecimento, do Respeito e da Defesa de cada um de nós, e de todos, como membros Responsáveis, Inteiros e Dignos da comunidade a que pertencemos. 
  A Associação de Oficiais das Forças Armadas assumirá o seu inalienável dever de participação activa neste debate imprescindível e urgente, por forma a fortalecer os Valores que sustentam o Juramento, que como militares, fizemos, fazemos, e honramos, perante o Povo a que nos orgulhamos de pertencer. 
  Viva a Associação de Oficiais das Forças Armadas!
  Vivam as Forças Armadas Portuguesas!
  Viva Portugal!