I
A Palavra com que o Poder nos invectiva
Agride-nos pela violência desmesurada
De que abusa para nos dizer
Que nada somos para além de simples números
Insignificantes coisas
Cujo destino é sofrermos o que devemos
Para que o Poder continue a fazer o que quer.
A Palavra do Poder é obscena
Pela forma como nos humilha, nos ofende, nos despreza.
A Palavra do Poder é sádica
Pelo conteúdo com que nos tortura, nos fere, nos exclui.
A Palavra do Poder é ignóbil
Pois tem como veículos privilegiados a mentira, a hipocrisia, a cobardia.
Mas a Palavra do Poder é também múltipla
Pois a pesporrente ganância do Poder é tanta
Que nos surgem as mais desconexas Palavras do Poder
Numa cacofonia delirantemente mesquinha
Onde as Palavras do Poder se atropelam, se desdizem, se contradizem
Sempre irrevogavelmente revogadas
Num dependismo tortuoso, invertebrado, infecto.
Vindas dos múltiplos lados do Poder
Não sabem para onde vão, nem por onde vão.
Vergastam-nos sem sentido
Para se concentrarem no ómega da sua definitiva inutilidade.
Abusadas, violadas, espezinhadas, prostituídas, desonradas
Também as Palavras nada significam para o Poder.
O Poder exonerou a Palavra
A Força basta-lhe.
II
Ah, Coração alvoroçado
Procuras o sentido dos sons que te chegam do Poder
Tentas, angustiado, desvendar-lhes causas propósitos
Mas nada encontras senão humilhação desrespeito discriminação.
Magoado, descobres-te pequenino e impotente
Perante a crueldade das acusações que sobre ti são lançadas
Sem que porquês te sejam apontados
Ferido, descobres-te nu e desarmado
Perante a imensidão das obrigações que te são impostas.
A tua inquietação pergunta-te Estarei só?
E são tantos tantos tantos os corações dilacerados
Que num repente nasce-te a certeza
De que as tuas Razões são justas
Todas as Razões de todos os corações são justas
Tal a avalanche pútrida derramada pelo Poder.
E juntas a tua voz a tantas e tantas e tantas outras vozes
E gritas bem alto a Indignação que é tua, que é de todos,
Que é nossa.
Uma vez e outra e outra ainda, já são sem conta
As vezes que ergueste o teu, o nosso brado
Levando a todo o lado o Poder das Palavras que dizem
Da Razão que é já de todos
Contra o Poder desprezível, rasteiro, ilegítimo.
Exerces, como muitos, muitos mais
O teu inalienável Direito à Indignação
Mas já tropeçaste em incompreensões, dúvidas, incertezas, erros até
Sobre o lugar em que estás, e por que nele estás
Para onde queres ir
Com quem estás
Com quem queres continuar o caminho.
Descobres, de novo alvoroçado, meu Coração
Que a Razão que tens, e o Poder da tua Palavra
Vêm da humilhação que sentes, das ofensas que te fazem
Vêm das tuas angústias, dos teus medos, das tuas inquietações
Descobres que são diferentes das de outros corações
Também humilhados e ofendidos
Também angustiados, inquietos, com medos
Mas descobres que nada nessas diferenças impede o mesmo grito
Pois o aviltamento a que o Poder te quer, nos quer, sujeitar
Não consegue destruir o que une todas as diferenças:
A Dignidade de cada um de nós.
E de novo ganhas alento
Vem, Companheiro! Vamos, Amiga!
A Razão está do nosso lado
O Coração reclama um único grito, uma única Palavra
O nosso Grito, a nossa Palavra
Indignação!
Ah, foram já tantas as vezes que gritaste, meu Coração
Tantas vezes exigiste as Palavras que transportam a tua Razão
E o Poder não verga!
De novo a angústia, o medo, a inquietação
Não estás só, é verdade
Ao teu lado mora a mesma angústia, o mesmo medo, a mesma inquietação
E reparas que os teus olhos, e os olhos de todos nós, estão febris de revolta
E os teus dentes, e os de todos nós, rangem de raiva
Porque atingiste, atingimos, o limite da Resistência.
Mas se o Poder prostituiu, desonrou, exonerou
A sua Palavra
Para escolher como seu único instrumento a Força
Então o Poder facilmente rejeitará, com ignóbil arrogância
O Poder das Palavras com que afirmas, afirmamos
Inteiros, Livres e Dignos
As Razões que os nossos Corações reconhecem como imprescindíveis
Para nos construirmos, cada um e todos, como Seres Humanos.
III
Meu Coração alvoroçado, não percas o rumo do Futuro!
Se é verdade que a Força do Poder
Levou os nossos gritos de Indignação aos limites da Resistência
Se o Poder das nossas Palavras é insuficiente contra a Força do Poder
Então que os nossos Corações convoquem as nossas Mãos
Pois elas, armadas com as nossas Razões
E Abertas, Libertas e Solidárias
Saberão agir
E construir o Futuro de que não abdicamos!
IV
É chegada a hora, meu Coração, de exerceres, de exercermos
O nosso inalienável Direito à Legítima Defesa!