Ø
Em rumo para o Terreiro do Paço, o Imediato
informa o Comandante que há um compromisso de neutralidade activa da Marinha
para com o Movimento Militar.
Ø
O Comandante recebe ordem do Vice-CEMA para
abrir fogo sobre os tanques rebeldes do Terreiro do Paço, pois a Marinha tinha
de tomar uma posição contra o Movimento.
Ø
O Comandante, alegando existirem cacilheiros a
cruzarem o rio e muitos civis no Terreiro do Paço, não cumpre a ordem. No
entanto, ordena ao Chefe do Serviço de Artilharia (CSA)para colocar as peças na
máxima elevação (85º), e municiá-las com munições de combate, ao mesmo tempo
que inicia manobras do navio a velocidade elevada na zona fronteira ao Terreiro
do Paço.
Ø
O Posto de Comando do Movimento é informado do
que se estava a passar, pelo que, através da Direcção do Movimento da Marinha,
dá ordem para o navio colocar as peças na horizontal e sair a barra ou fundear.
Ø
Cerca das 09h30 o Comandante recebe ordem para
fazer fogo de salva para o ar. Dado não existirem a bordo nem peças nem
munições de salva, o Comandante dá ordens para municiar as peças com munições
de exercício, como consta do Diário Náutico.
Ø
Cerca das 09h45 o Alm. CEMA dá directamente
ordem de fogo de salva ao Comandante. Este ordena ao CSA para fazer fogo com
munições de exercício para o ar.
Ø
O CSA não cumpre essa ordem e o Imediato informa
o Comandante da intenção dos oficiais se recusarem a fazer fogo, mesmo com
munições de exercício.
Ø
O Comandante exonera o Imediato. Os dois
oficiais que convida para o substituírem recusam.
Ø
O Imediato informa o Movimento que a situação a
bordo estava controlada, e que os oficiais se tinham recusado a cumprir a ordem
de fogo de exercício dada pelo Comandante.
Ø
Esta informação é passada pelo Posto de Comando
do Movimento às Forças do Terreiro do Paço.
Ø
Cerca das 13h30, com o navio fundeado em frente
do Terreiro do Paço, o Comandante convoca todos os oficiais para uma reunião na
câmara. Após ter inquirido todos os oficiais, um a um, do mais moderno para o
mais antigo, sobre se mantinham a sua posição de recusa em abrir fogo, e
perante o “SIM” de todos, explicitado individualmente, o Comandante
considerou-os insubordinados.
Ø
No final da reunião, que terminou antes da
rendição de Marcelo Caetano no Carmo, o Comandante realçou, explicitamente, a
necessidade de cada um dos oficiais não se esquecer da posição assumida, pois
ele também não se esqueceria.
43 anos depois,
comemorar o 25 de Abril é, também, relembrar estes factos vividos. Mas é, tem
de ser, sobretudo, reafirmarmos que a posição que assumimos se sustentou em
Valores que reconhecíamos, e reconhecemos, como nossos, que nos foram, e são,
imprescindíveis para nos construirmos como Militares, como Cidadãos, como Seres
Humanos.
Comemorar o 25 de
Abril é, assim, olhar para o Passado como o ponto de partida para uma viagem,
individual e colectiva, que nos situa neste Presente que urge compreendermos,
para podermos, com autonomia e independência, fazer as nossas escolhas, de novo
individuais e colectivas, e rumarmos a um Futuro que possamos afirmar Nosso,
mesmo se, e quando, a viagem se faça por rotas diferentes, mas nunca
divergentes.
São aqueles Valores
que nos permitem ligar Passado, Presente e Futuro de uma forma coerente,
conquanto diversa nas suas expressões vividas. São Valores como os inscritos no
Programa do Movimento das Forças Armadas: Democracia, Desenvolvimento,
Descolonização.
Da Democracia
podemos dizer que temos vindo a aprender a praticá-la, com mais ou menos
sobressaltos, erros, avanços e recuos. Mas é-nos cada vez mais seguro afirmar
que rejeitamos o que Clement Attlee disse em 1957: “A democracia é o governo
pela discussão, mas só é eficaz se se conseguir impedir as pessoas de falarem”.
Não, não é esta a Democracia que queremos. É, sim, aquela que a nossa
Constituição define como Democracia Participativa.
De facto, a
Democracia não pode, não deve, esgotar-se no exercício de processos eleitorais.
Nem ficarmos apenas em situação de “governação pelo Povo” – como se os
governantes, porque eleitos, fossem substitutos do Povo; e de “governação para
o Povo” – numa forma paternalista (no mínimo) de dizer que o Povo é incapaz de
governar.
Falta-nos construir
a Democracia Com o Povo, aquela que consubstancia a efectiva soberania do Povo,
como impõe a Constituição.
Do Desenvolvimento
podemos relevar o extraordinário avanço em relação ao “antes do 25 de Abril”.
Porém, é imperioso reflectirmos sobre muitas das escolhas feitas, e analisarmos
com realismo e profundidade as consequências dessas escolhas, pois nos
trouxeram a um Presente doloroso, angustiante e extremamente desigual quanto à
vida real da esmagadora maioria dos portugueses.
Porquê? Porque de um
Desenvolvimento inicial que centrava nas pessoas as suas acções e escolhas,
apoiadas por instrumentos económicos, financeiros, jurídicos que condicionavam
as decisões a tomar, passámos a um “desenvolvimento” determinado por aqueles
instrumentos – pelos seus donos -, secundarizando, e mesmo marginalizando e
excluindo, as pessoas.
Falta-nos
re-assumirmos, de facto, que são as pessoas, a Comunidade inteira, o cerne das
acções e opções da governação e do Desenvolvimento.
Da Descolonização
registamos a Independência das ex-colónias e a constituição da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa, como expressões da concretização deste “D” do
Programa do MFA. Mas hoje confrontamo-nos com um outro tipo de descolonização –
o Nosso!
Pois não é verdade
que, nesta União Europeia, nos dizem que “A França é a França”, numa fórmula
tosca de confirmar que nela há “uns países mais iguais que outros”? E que a
Alemanha não se coíbe de “exercer o comando” sempre que questionada, mesmo
timidamente? E não é verdade que são, mais uma vez, os instrumentos – a “união
económica e monetária”, o “euro”, o “tratado orçamental” – a determinar as
escolhas, menosprezando, mesmo desprezando – Grécia, Portugal – as pessoas? A
“periferia” onde é colocado Portugal não será uma forma “delicodoce” de afirmar
a situação de “colónia” do nosso País?
Falta-nos impor o
cumprimento da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente
quando explicita:
“Consciente do seu património espiritual e moral, a União
baseia-se nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da
liberdade, da igualdade e da solidariedade; assenta nos princípios da
democracia e do Estado de direito. Ao instituir a cidadania da União e ao criar
um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, coloca o ser humano no cerne
da sua acção.
A União contribui para a preservação e o desenvolvimento
destes valores comuns, no respeito pela diversidade das culturas e das
tradições dos povos da Europa, bem como da identidade nacional dos
Estados-Membros e da organização dos seus poderes públicos aos níveis nacional,
regional e local; …”
Vivemos num mundo
incerto, inseguro, instável, perigoso. Os Valores que sustentaram as nossas
escolhas no 25 de Abril, e que sustentam hoje o modo como olhamos criticamente
o Presente, ansiosos por construirmos um Futuro
de efectivo bem-estar, seguro e solidário, estão inscritos em múltiplos
documentos nacionais e internacionais – a nossa Constituição, a Constituição
alemã, a Carta Internacional dos Direitos Humanos, são alguns exemplos -, não
podem ser meras palavras vãs para uso em discursos oficiais como “manto
diáfano” para “tapar a nudez” dos interesses que nada têm de democráticos, nem
de solidários, numa afirmação clara de que o que, de facto, o que está em causa
é o exercício do “Direito do Mais Forte à Liberdade” (Rainer Fassbinder).
Voltemos à Carta dos
Direitos Fundamentais da União Europeia:
“Capítulo I – DIGNIDADE – Artigo
1º - Dignidade do ser humano
A dignidade do ser humano é inviolável. Deve ser respeitada
e protegida.”
Hoje é crucial
acrescentarmos este “D” para continuarmos Abril: a Dignidade do Ser Humano é o
Valor mais alto por que temos que continuar a lutar.
Uma luta exigente,
difícil, duríssima.
É uma luta
universal, pois a barbárie é praticada por todo o mundo, bem ao contrário do
que nos diz a Carta Internacional dos Direitos Humanos:
“Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a
todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis
constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”
Mas é uma luta que é
imprescindível continuar a travar. Se a perdermos ou, sequer, se abdicarmos
dela, perderemos o Futuro que ansiamos Livre, Inteiro, Solidário, Nosso.
Comemorar o 25 de
Abril é assumir que exigimos ser protagonistas activos na construção desse
Futuro.
Publicado no Blog AbrilAbril.