Ponto prévio – No que respeita a deus, há quatro espécies de seres
humanos: 1) Os crentes pela positiva – acreditam num Deus; 2) Os crentes pela
negativa – não acreditam num deus; 3) Os que se colocam na dúvida – acreditarão
se lhes for apresentada prova da existência de um deus; não acreditam sem essa
prova, mas…; 4) Aqueles cujo caminho não passa, de forma nenhuma, pelo divino:
é tão difícil, tão trabalhoso, andar de pé, respeitar-se a si próprio e aos
Outros, que não cedem essa tarefa seja a quem for, como única forma de serem
eles próprios a fazerem as suas escolhas ao longo da Vida, a assumir as
responsabilidades por essas escolhas, e pelas consequências delas, em si e nos
Outros, rejeitando atribuí-las a outrem – humano, não-humano, supranatural.
Incluo-me no quarto tipo, com todos os meus medos, mitos, fantasmas,
contradições.
Posto o que vou tentar dar um contributo para o desafio que o João
colocou, sabendo que tal desafio daria para “várias teses de doutoramento”.
Todas as ideologias, incluindo as religiosas, emanam dos Seres Humanos,
na sua procura, individual e colectiva, da Felicidade. Sendo os Seres Humanos
seres Co-existentes (existem Com o Outro; não sós, não sobre o Outro; não sob o
Outro; não contra o Outro), a sua co-existência apresenta-se sob a forma de
complementaridade e solidariedade entre todos, e de usufruto dos recursos que a
Natureza possui. Neste sentido, a co-existência complementar e solidária assume
extrema diversidade.
Esta multi-diversidade, exigentíssima nas suas inter-relações, impõe-nos
que, no pensar e no agir, tenhamos que procurar caminhos que não fiquem só por
identificarmos causas e efeitos. De facto, é-nos imprescindível aceitarmos que
há causas que são efeitos que são causas que são efeitos: a multi-diversidade é
irmã gémea da multiplicidade “em rede”, em que não há O problema, A solução,
O caminho, mas sim problemas, soluções, caminhos.
É uma tarefa hercúlea, individual e colectivamente. O não a enfrentarmos
em toda a sua extensão, formas e consequências, conduz-nos a uma situação de
múltiplos conflitos. Por exemplo:
1. Depois
da consolidação do domínio do homem sobre o homem, o homem apoderou-se da
Natureza como se fosse sua propriedade, devastando-a em seu proveito,
rejeitando a complementaridade inicial. No entanto, a Natureza não precisa do
Ser Humano, mas o Ser Humano precisa da Natureza. Isto é, prolongando-se o
actual conflito Seres Humanos/Natureza, não será o homem que sairá vitorioso.
Se as ideologias, incluindo as religiosas, são uma
construção dos Seres Humanos, elas, por sua vez, conduzem os Seres Humanos à
sua construção, individual e colectiva. Estas construções, se entendidas como
bi-unívocas, demandam um permanente diálogo entre ambas as partes – a
construção da ideia, a ideia que constrói – numa multiplicidade de
inter-relações dentro da multi-diversidade de situações, causas e efeitos que
ultrapassa a dialéctica (na perspectiva de relação de opostos): a dialógica
impõe-se como via para escolhermos caminhos que sejam soluções para problemas
que são soluções que conduzem a outros caminhos. Este dificílimo diálogo,
conjugado com o permanente domínio do homem pelo homem, foi abandonado, e
substituído pela politização das ideologias, incluindo as religiosas, como
forma de impor os1. caminhos
que os Seres Humanos, individual e colectivamente, deverão percorrer. Este
abandono da dialógica, privilegiando a dialéctica, transferiu o Poder do todo
colectivo para apenas uma parte desse colectivo: o domínio do homem pelo homem
é exercido pelo mais forte. A ideologia dominante suporta a conquista do Poder,
o seu exercício, a sua manutenção. Na sua versão “mais suave”, a Democracia, o
Poder é exercido “para o Povo e pelo Povo”, mas “lembrando-se de se esquecer de
ser Com o Povo.
2. A
multi-diversidade e a multiplicidade de inter-relações que definem os Seres
Humanos, individual e colectivamente, determina a obrigatoriedade de
defendermos, e praticarmos, o Direito à Igualdade entre todos os Seres Humanos.
No entanto, é imperioso que antes dessa defesa e prática, sejamos
capazes de cumprir o extremamente difícil Dever do Reconhecimento da Dignidade
da Diferença. O domínio do homem pelo homem, e a sua hierarquização política
(incluindo a religiosa),impõem que as diferenças sejam exacerbadas, usando-as
como um (mais um) instrumento de conquista, exercício e manutenção do Poder.
O Ser Humano é um Ser solidário, que faz da complementaridade entre
todos e com a Natureza, e do usufruto (não posse) dos recursos comuns, a sua
maneira de Co-existir. Estamos muito longe de alcançarmos esta Utopia.
Mas vale a pena continuar a lutar por ela! Mesmo sabendo que “o outro
lado” tem uma força desmesurada, que usa sem pudor para defender os seus
interesses, o seu domínio.
Temos que seguir o exemplo das Mulheres que, por entre vitórias e
derrotas, lutam há milénios por essa Utopia, sem desistirem!
Caro Camarada Assim ficou como obra-prima. Abraço
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