“Ratings” e “Mercados”: e
Nós?
Nos órgãos de comunicação social têm sido
constantes as referências a agências de “rating” e aos mercados, e à forma como
o governo, e o país (nós!) se relaciona, ou deve relacionar com ambos.
Antes de apresentarmos uma perspectiva de
análise de cada um destes actores (financeiros, económicos, políticos,
sociais), uma breve reflexão sobre os órgãos de comunicação social, sobre o que
nos dizem, lendo-os, ouvindo-os, vendo-os.
Um primeiro ponto respeita à Liberdade de
Expressão. É um Direito inalienável, conquistado pelo 25 de Abril. E por sê-lo,
contém em si o Direito ao Contraditório, assegurado por Lei, e exigido pela
Ética no exercício dessa Liberdade. Esta, por sua vez, impõe, por um lado, a
objectividade e imparcialidade da notícia e, por outro, a assunção da
subjectividade do comentário e da opinião.
Assumir a subjectividade do comentário e da
opinião demanda que o que se escreve seja terminado com a assinatura de quem
escreve, ou o que se diz seja suportado pela voz e pelo rosto de quem afirma. A
relevância e a credibilidade do que é escrito ou dito é, pois, refém do
reconhecimento que possamos atribuir a quem escreve ou diz algo,
independentemente de concordarmos ou discordarmos desse algo.
Já quanto à objectividade e imparcialidade da
notícia podemos constatar que não estão minimamente garantidas. De facto:
1. Misturar no mesmo texto, escrito ou
dito, a notícia com um seu comentário, é uma prática demasiado frequente para
que possamos considerar estarmos perante uma informação objectiva e imparcial,
mesmo se assinado, ou dito, por alguém que, dessa forma, pretenda dar
credibilidade à notícia.
2. Retirar da informação que se quer
transmitir um aspecto específico, uma frase, é já uma escolha – isto é, uma
subjectividade – de quem escreve, ou diz, essa informação.
3. Sequenciar as informações que se
querem transmitir (ao longo de um telejornal, na paginação de um jornal, em
cada página, …) é, também, uma escolha, uma subjectividade.
4. A própria selecção de informações a
transmitir, relevando umas, secundarizando outras, omitindo ainda outras, nada
tem de objectividade, nem de imparcialidade.
É neste contexto que nos devemos relacionar
com o que lemos, vimos e ouvimos nos órgãos de comunicação social. Não
assegurando a objectividade e a imparcialidade, os órgãos de comunicação social
são manipulados pelos diversos actores (financeiros, económicos, políticos,
sociais) que desejam ver transmitida a sua informação mas, simultaneamente,
manipulam esses mesmos actores (no fundo, todos nós), no sentido de aceitarem
como objectiva e imparcial a informação que é escolhida ser transmitida.
É imperioso que todos sejamos capazes de ver,
ouvir e ler com a capacidade crítica que é imprescindível ao exercício da Liberdade
de Expressão, pois esta não contém apenas o Direito ao Contraditório: só se
torna verdadeiramente efectiva quando sustenta uma escolha consciente, livre e
subjectiva de cada um de nós.
Com este “pano de fundo”, como podemos
analisar as acções das agências de “rating”?
Comecemos por uma pergunta impertinente: o
que é uma agência de “rating”?
- Uma Instituição estatal? Não!
- Uma Organização Não Governamental? Não!
- Uma Instituição Pública de Serviço Social?
Não!
- Um Departamento de Investigação de uma
Universidade? Não!
- Um Departamento da Organização das Nações
Unidas? Não!
- Uma Empresa Privada? Sim!
Sendo uma Empresa Privada, uma agência de
“rating” tem como seu objectivo crucial, senão único, gerar os lucros adequados
à satisfação dos seus accionistas.
Será que esta Empresa Privada produz, em
quantidade e qualidade, os bens necessários para que ao valor acrescentado
conseguido venha a corresponder o lucro desejado? Não, a agência de “rating”
não produz bens, produz “pareceres”.
Pareceres que são o resultado de avaliações,
de carácter económico e financeiro, de empresas e de Estados, e que concluem
por uma opinião sobre o modo como a empresa, ou o Estado avaliado interage, e
deve interagir, com os diversos actores financeiros, económicos, políticos e
sociais, nas suas múltiplas e diversas inter-relações que compõem o mundo de
hoje, a que chama “mercados”.
Acontece que os critérios, os instrumentos e
os autores dessas avaliações não são conhecidos. Se “os mercados” fossem livres
– isto é, todos os seus actores concorressem entre todos, sem “atropelos
éticos” – e tendo em conta o velho ditado “O segredo é a alma do negócio”,
seria, eventualmente, compreensível (embora ainda inaceitável) esse
desconhecimento.
No entanto, as conversações ultra-secretas que
decorrem quanto ao Transatlantic Trade and Investement Partnership (TTIP), ao
Investor-State Dispute Settlement (ISDS), ao Comprehensive Economic and Trade
Agreement (CETA), dizem-nos claramente que “os mercados” não são livres: há
regras a cumprir.
Regras a cumprir por todos os actores que
intervêm nos “mercados”, em pé de igualdade – as regras são as mesmas para
todos, todos são iguais perante as regras. Mas se assim for, haverá efectivas
perspectivas de lucro para uma agência de “rating”? E porventura havendo, não
serão débeis demais para satisfazer os seus accionistas?
Como ultrapassar esta indesejada “carência de
resultados”?
Se formos um pouco mais fundo, constataremos
que há actores e actores, isto é, há protagonistas e figurantes. E são os
protagonistas que fazem as regras para os figurantes cumprirem, numa “adequada
flexibilidade legislativa” ou, dito de outro modo, uma “necessária
instabilidade” (financeira, económica, política, social) que permita a produção
de “imprescindíveis pareceres”, plenos de “fundadas avaliações”, e de
“ponderadas e judiciosas conclusões”, contendo “incontornáveis soluções”. Ah, e
garantindo “firmes perspectivas de lucro”…para os protagonistas (neles
incluindo as agências de “rating”, claro!).
É esta situação que é designada por
“mercados”. E o que ficou dito é uma expressão suave para traduzir o modo como
um seu dilecto representante os definiu – “Os mercados são amorais” –
confirmando que em todas as suas acções, omissões, e inter-acções, os Valores,
os Princípios, a Ética, são desprezados, pois apenas contam os Interesses,
pessoais e de grupo. E se daquela “necessária instabilidade” puderem surgir
conflitos de Interesses entre os protagonistas, serão dirimidos pela força, uma
vez que apenas “o mais forte tem direito á liberdade”.
Uma agência de “rating” é uma empresa privada
que age em exclusivo nome desses interesses: os resultados financeiros,
económicos, políticos e sociais “aconselhados” nos seus “pareceres” são aqueles
que correspondam à obtenção do máximo lucro para os seus accionistas,
independentemente dos resultados a que cheguem os seus avaliados.
É aqui que os órgãos de comunicação social nos
informam, com palavras mais ou menos claras, mas sem margem para dúvidas, que
todos nós, cidadãos supostamente livres e inteiros deste país supostamente
soberano e independente, nos devemos situar.
Sejamos, então, impertinentes, e perguntemos:
- Se pertencemos aos “mercados”, e os
“mercados” são amorais, nós também devemos ser amorais?
- Se não devemos ser amorais, podemos sair
dos “mercados”?
- Se não somos amorais mas não pudermos sair
dos “mercados”, somos “promovidos” a escravos?
- Se não pertencermos aos “mercados” por não
sermos amorais, por que razões temos de suportar as perdas de lucro e as
falências dos “mercados”?
- Se nos é imposto pertencer aos “mercados”,
quando um militar jura “o sacrifício da própria vida”, faz esse juramento em
nome de uma…amoralidade?
- Se esse juramento é feito em nome de uma
amoralidade, será ainda possível falarmos de militares, da condição militar, de
forças armadas?
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