Exmo
Senhor
Presidente da República
Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa
Exmo Senhor
Presidente da Assembleia da República
Dr.
Eduardo Ferro Rodrigues
Excelências
Permitam-me que me
apresente: António Joaquim Almeida de Moura, Capitão-de-Mar-e-Guerra, na
situação de Reforma.
Peço ainda a Vossas
Excelências que relevem a ousadia de Vos escrever, mas tenho plena convicção de
que, ao fazê-lo, estarei a exercer um direito e, ao mesmo tempo, a cumprir um
dever, constitucionalmente previstos no Artigo 2º da Constituição da República
Portuguesa (CRP) – “… visando… o aprofundamento da democracia participativa”.
O motivo próximo que
me leva a esta acção é o de que estará agendado para o dia 16 de Junho de 2016,
na Assembleia da República, o debate sobre vários tratados de carácter
económico, político e social, a celebrar entre a União Europeia e os Estados
Unidos da América – o Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) e o
Trade in Services Agreement (TiSA) – e entre a União Europeia e o Canadá – o
Comprehensive Economic and Trade Agreement (CETA).
Dizem-nos os órgãos
de comunicação social, nacionais e internacionais, que tais tratados têm como
objecto fundamental o estabelecimento de regras de comércio livre que
satisfaçam ambos os lados em diálogo. No entanto, e embora possa ser
admissível, como “teoria de negociação”, que “o segredo é a alma do negócio”, é
escasso e muitas vezes contraditório, o conhecimento efectivo e concreto do que
esses tratados abrangem, como abrangem, e quais as consequências (positivas –
ganhos; negativas – cedências) que comportam para cada um dos lados.
Apenas como exemplos
destas insuficiências e contradições:
- O acesso à
documentação existente por parte dos Eurodeputados só acontece após “adequada autorização”, sem
possibilidade de tomada de quaisquer notas, e sujeito a permanente e local
vigilância por “pessoa devidamente credenciada”.
- Em recente
entrevista a um diário português (“Público”), o Sr. Ignacio Garcia Bercero,
negociador-chefe da Comissão Europeia para a Parceria Transatlântica de
Comércio e de Investimento (o TTIP), afirmou que “a negociação está a ser feita
de forma transparente, mostrando que a Comissão está a defender com muita força
os interesses europeus e os níveis de protecção europeus”.
- No intróito da
mesma entrevista lê-se que “Representar os interesses de 28 países não é coisa
fácil. Mas é uma inevitabilidade, dado que a política de comércio externa é uma
só e da competência exclusiva da União Europeia.
Por outro lado, a
forma como vem sendo perspectivada a resolução de eventuais conflitos entre os
Estados e os Investidores – os actores protagonistas nesses tratados -, e que é
designado por Investors-State Dispute Settlement (ISDS), coloca no âmbito de
“tribunais” privados, isto é, escritórios privados de advogados, a solução,
vinculativa, desses conflitos.
Conquanto nada se
saiba no que respeita ao ISDS incluído no TTIP e no TiSA, as manifestações de
protesto contra estes tratados, que têm acontecido por toda a União Europeia,
terão contribuído para que, no que ao CETA concerne, esses conflitos venham a
ser dirimidos por um tribunal especial, em cuja composição participarão
juristas escolhidos por cada um dos lados em confronto e juristas
“independentes”. Porém, importará salientar que, do lado da União Europeia, a
função que será atribuída aos “seus” juristas escolhidos será a da defesa dos interesses europeus.
Como poderemos nós,
portugueses, entender estes “interesses europeus”? Não foi do “interesse
europeu”, mas não nosso, a destruição da nossa frota pesqueira? Da nossa
agricultura? Da nossa indústria? Não foi, é, do “interesse europeu”, mas não
nosso, a violenta austeridade em que estamos mergulhados – com centenas de
milhar de emigrantes, um milhão de desempregados, a precariedade como “regra”
laboral, dezenas de milhar de crianças com fome?
De facto, esta dúvida
pesada – há, haverá, conciliação possível entre os interesses nacionais,
nossos, e os “interesses europeus”? – não foi brutalmente esclarecida pelo
presidente da Comissão Europeia, Sr. Jean-Claude Juncker, ao afirmar que “a
França é a França” quando estava em causa o não cumprimento dos tratados
europeus por esse país?
De tal modo este
esclarecimento é brutal que o “informal” presidente do informal Eurogrupo não
se coibiu de verberar essa afirmação, fazendo-o em termos contundentes, pois
“descredibilizava por completo a Comissão Europeia”! Mas, na verdade, se esta
contundência é, explicitamente, uma condenação das palavras do Sr. Juncker, não
será também legítimo interpretá-la como implicitamente concordante – apenas não
deveria ter sido formulada?
Assim, Senhor
Presidente da República, Senhor Presidente da Assembleia da República, a forma
como estes tratados vêm sendo negociados, e a forma como está a ser
perspectivada a resolução de conflitos entre cada Estado e os Investidores,
afigura-se claramente como “um jogo de
forças” (“O Direito do Mais Forte à Liberdade”, diria Fassbender), em que os
interesses nacionais, os nossos interesses como Nação soberana e independente,
são subalternizados perante os “interesses europeus”. Mais, os interesses
nacionais serão sujeitos, em caso de conflito com os Investidores, à
subordinação a interesses privados.
Isto é, Portugal
deixará de ser Soberano e Independente.
Mas o debate a
acontecer a 16 de Junho tem, também, uma relevantíssima componente interna:
quem são os Deputados que vão debater um assunto de tal modo transcendente que
podemos afirmar que irão, de facto, posicionar-se a favor ou contra a soberania
e a independência nacionais?
Lendo a Constituição
da República Portuguesa, que V. Excelência, Senhor Presidente da República, ao
tomar posse perante a Assembleia da República, perante V. Excelência, Senhor
Presidente da Assembleia da República, jurou “defender, cumprir e fazer
cumprir”, encontramos as pistas para respondermos a essa pergunta:
- Art. 1º: “Portugal
é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade
popular…”;
Art. 3º-1: “A
soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas
previstas na Constituição.”;
Art. 7º: “Portugal
rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional,
do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre
Estados…”;
Art. 108º: “O poder
político pertence ao povo e é exercido nos termos da Constituição”;
Art. 120º: “O
Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a
independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das
instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças
Armadas.”;
Art.147º: “A
Assembleia da República é a assembleia representativa de todos os cidadãos
portugueses.”;
Art. 276º-1: “A
defesa da Pátria é um direito e um dever fundamental de todos os portugueses.”.
Bem sei, Senhor
Presidente da República, Senhor Presidente da Assembleia da República, que “o
aprofundamento da democracia participativa” é uma construção lenta (tantas
vezes a julgamos “lenta demais”!) e difícil.
Sei também que muitos
seguem o que Clement Attlee afirmou, em 1957: “A democracia significa um
governo pela discussão, mas só é eficaz se se conseguir impedir que as pessoas
falem”.
Sei, ainda, que “Os
Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e
opiniões que emitirem no exercício das suas funções”. (CRP, Art. 157º -
Imunidades).
Mas o “contraponto”
daquela “construção lenta e difícil” não é nem a sua negação (impedindo as
pessoas de discutir e de escolher o que desejam como seu Futuro, individual e
colectivo, e proclamando que “Não Há Alternativa”, o que é,
inquestionavelmente, a imposição de uma escolha), nem interpretar imunidades
como irresponsabilidades.
Estará nesta
confusão, intencional ou inconsciente, uma causa concreta da crescente
desconfiança, até azedume, com que os políticos são considerados pelos cidadãos
deste país, como uma recente sondagem mais uma vez nos mostrou.
Creio que é altura de
os Deputados entenderem, de uma vez por todas, que a democracia representativa
não os faz, de forma nenhuma, substitutos do povo. A democracia, mesmo a
representativa, é o governo pelo povo, para o povo, e com o povo, pois é nele que reside o poder político, como
explicitamente consagra a nossa Constituição.
É para a assunção
desse entendimento, e consequente prática política, que o debate de 16 de Junho
sobre aqueles tratados constitui uma óptima oportunidade para que a Assembleia
da República, como instituição, e os Deputados, como representantes (e não
substitutos) do povo, reganhem a confiança de todos nós. Porquê? Porque estão em
causa a soberania e a independência nacionais.
Do debate surgirão
certamente atitudes, opiniões, dúvidas, contradições. Se, no final do debate,
cada um dos Deputados, individualmente,
expressar a sua concordância ou discordância com os tratados em causa (e
especialmente com o sistema de resolução de conflitos – ISDS), todos saíremos
mais fortes e mais capazes de enfrentar, individual e colectivamente, os
desafios que cada uma das escolhas comporta.
Claro que esta opção
(de Sim ou Não, de Concordância ou Discordância) obriga a assumir que:
- Invocar a
disciplina de voto não diminui, minimamente, a responsabilidade de quem a tal
se sujeitar;
- A abstenção por
“insuficiência de informação” não é aceitável: revela que não foi procurada a
informação necessária, ou que “se delega em alguém para pensar por si”;
- A abstenção por
“ausência de informação” também não é aceitável: revela uma atitude do tipo
(com perdão pelo dito popular) “não sei, não quero saber, tenho raiva a quem
sabe”;
- A abstenção porque
“tudo isto nos ultrapassa”, “é inevitável”, “não há alternativa” é inaceitável:
revela total ausência de capacidade crítica;
- A abstenção porque
se consideram semelhantes as opções de concordância e discordância não é
aceitável: revela uma atitude displicente do tipo “tanto faz”.
Estas quatro
hipóteses de “fundamentação” da abstenção constituirão razão substantiva para a
exclusão da Assembleia da República de quem as tome: são irrelevantes,
insultuosos até, para quem neles deposita a sua representação.
Por último, Senhor
Presidente da Assembleia da República, se na votação no final do debate for
concluído que Portugal não quer, ou não tem condições para rejeitar aqueles
tratados, no que tal significa de perda real de soberania e de independência
nacionais, será crucial que a Assembleia da República leve a S. Excelência o
Senhor Presidente da República a imprescindível alteração à definição do cargo
de Presidente da República como “garante da independência nacional” (Art.
120º), bem como a imperiosa necessidade de alterar a fórmula do Juramento de
Bandeira dos militares das Forças Armadas: perante quem, por quem, porquê, para
quê, os militares passarão a jurar “o sacrifício da própria vida”?
Com os meus cumprimentos
P.S.: Porque há pessoas que, como cidadão e como militar, me
têm dado provas de respeito, a que devo corresponder; porque há pessoas que me
privilegiam com a sua Amizade, que me é crucial merecer; porque a democracia
participativa não é só de alguns; dar-lhes-ei conhecimento desta carta, bem
como aos grupos parlamentares dos partidos representados na AR, às Associações
Militares e aos Chefes Militares.
NOTA: Esta carta mereceu resposta do Sr. Presidente da
República, através do Chefe da Casa Civil, em 30/06/16 – “Agradeço os seus
comentários e sugestões, que Sua Excelência o Presidente da República não
deixará de ter na devida conta.”; do Sr. Presidente da Assembleia da República,
Através da sua Chefe de Gabinete, que informou ter remetido a carta para todos
os Grupos Parlamentares, e remetendo cópia do Diário da Assembleia da República
de 17 de Junho de 2016, que transcreve o debate havido na AR a 16 de Junho de
2016; o CDS/PP, através do seu líder parlamentar, enviou os seu comentários,
bem como as intervenções dos seus Deputados naquela sessão da AR; o PCP enviou
os seus comentários e as intervenções dos seus Deputados; o PS informou que
partilhava as mesmas preocupações; o Bloco de Esquerda e o Partido Os Verdes
acusaram a recepção; as Associações Militares, a Associação Conquistas da
Revolução e a Associação 25 de Abril, divulgaram a carta, tendo a ANS publicado
no seu Jornal “O Sargento”, nº 92; O PSD e as Chefias Militares não disseram
rigorosamente nada.
Há já pelo menos duas décadas que vivemos em Demagogia, não em DEMOCRACIA, não sendo esta nem representativa nem, muito menos, participativa. Pelo que qualquer tentativa de participação sempre cai em "saco roto". E a Justiça é o máximo exemplo dessa demagogia. Aqui, parece que o 25Abril falhou redondamente!
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