domingo, 28 de julho de 2013

A CONDIÇÃO MILITAR, O PODER MILITAR E O PODER

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“Juro, como português e como militar, guardar e fazer guardar a Constituição e as

Leis da República, servir as Forças Armadas e cumprir os deveres militares. Juro

Defender a minha Pátria e estar sempre pronto a lutar pela sua liberdade e

Independência, mesmo com sacrifício da própria vida.”

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Este juramento, prestado pública e solenemente por cada um, e por todos os militares é, dos pontos de vista Ético, Moral, Político e, sobretudo, Humano, o acto fundacional da Condição Militar.

Dele derivam diversos diplomas legais – “Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar” (Lei 11/89); “Estatuto dos Militares das Forças Armadas” (DL 236/99; DL310/2007), entre outros – que identificam direitos e deveres dos militares, bem como circunstâncias, acções e responsabilidades, do uso do Poder Militar, quer de quem executa, quer de quem decide.

Dito assim, parece fácil entendermo-nos quanto ao que é a Condição Militar, sua forma e seu conteúdo. Será?

Num mundo plural, instável, inseguro, complexo e cada vez mais interdependente, dentro de uma rede de relações e interacções múltiplas e diversíssimas, nas suas formas e substâncias, origens e consequências, é imperioso que nos entendamos desde o princípio. Que neste caso, com em tantos outros, demanda-nos uma escolha clara, inequívoca, sobre as palavras que usamos e o significado que lhes damos.

No caso da Condição Militar, e do seu acto fundacional, é decisivo determo-nos nestas duas componentes, clarificando a relação entre ambas: 1) “Guardar e fazer guardar”; 2) “Mesmo com sacrifício da própria vida” .

O significado que mais geral e comummente damos à palavra “guardar” é o de “preservar”, “manter”, “colocar em local apropriado”. Não é aceitável – seria insultuoso até! – que alguém jure o sacrifício da própria vida para “manter numa gaveta “ algo!

Poder-se-ia ir um pouco mais longe e afirmar que o significado mais correcto para “guardar” (neste caso concreto) seria o de “respeitar”. Acontece, porém que “respeitar” não implica necessariamente uma atitude activa: podemos respeitar algo ou alguém sem que para isso ultrapassemos um distanciamento passivo. É, pois, redutor, inadequado, limitar o sacrifício da própria vida a “deixar-se matar por algo ou alguém”.

Resta, assim, o significado assumido individualmente por cada militar no juramento que faz: “Guardar e fazer guardar” é “Cumprir e fazer cumprir”.

Importa relevar que é precisamente este o significado que a comunidade dá e exige, ao juramento feito pelos militares. E que “pelos militares”, demonstra que a comunidade olha para os militares como um todo, como Forças Armadas, antes de considerar a atitude ou acção deste ou aquele militar, individualmente.

Isto é, os militares são vistos como um poder o -poder militar - posto ao serviço da comunidade, da defesa da sua soberania, da sua independência, tendo em conta que soberania e independência expressam a vontade dos membros da comunidade construírem um futuro comum, de sua livre escolha, onde níveis de bem-estar e de felicidade sejam atingidos, mantidos e usufruídos por todos.

Mas este poder - o poder militar- é, no limite um poder baseado exclusivamente na força, percebida enquanto acção ou possibilidade de acção (isto é, dissuasão).

Uma comunidade, qualquer que ela seja, necessita de se sentir forte e em segurança para construir o futuro que se deseja comum. Mas não pode basear essa construção – a não ser quando opta pela acção conquistadora – apenas na força. Terão que ser outros factores, os Valores, em que deve assentar esse futuro.

E eles estão plasmados, pelo menos nos países que se reclamam como democráticos, nas suas respectivas Constituições. Estas, sejam elas mais ou menos pragmáticas, impõem explicitamente a igualdade dos cidadãos perante a lei, como factor imprescindível para assegurar a todos o direito à Vida, à Felicidade, à Dignidade e a um nível de Bem-Estar individual e colectivo demonstrativo da não-descriminação seja ela por que motivo for. É o que expressa a nossa Constituição.

Nesta perspectiva, o poder militar subordina-se, inquestionavelmente, ao Poder do Estado, sendo este a representação política do Poder da comunidade, exercido através de organizações (instituições) públicas e privadas que, nas suas competências e objectivos, satisfazem as necessidades de bens e serviços da comunidade, de acordo com regras –l eis- reconhecidamente válidas por todas as partes.

Porém, num mundo que nunca foi pacífico e que, hoje, continuando a ser instável, inseguro e perigoso, desenvolve, em permanência, crescentes graus de complexidade, de interdependência, de rede interactiva, qualquer que seja o campo de actividade humana, este Poder de Estado é, ele também, cada vez mais complexo e intricado nas suas circunstâncias, acções (e omissões) e responsabilidades.

De facto, este Poder de Estado reúne, em si próprio, componentes tão diversas como o poder politico, o poder ideológico e religioso, o poder económico e financeiro, o poder judicial, o poder da comunicação, informação e propaganda, o poder do conhecimento e da ciência.

Das suas interacções, contraditórias as mais das vezes (porque humanas), resultam as acções (e omissões) governativas, e os seus resultados. Mas estas acções e seus resultados não são inócuos para a comunidade. É delas, e deles, que depende, em grau superior, o sentimento, partilhado por todos, de pertença a uma mesma comunidade, gerador da confiança indispensável à construção do desejado futuro comum.

Mas quando um desses poderes assume manifesta preponderância sobre todos os outros, fica aberto o caminho para a prepotência, o arbítrio, o autoritarismo, o privilégio de alguns (os detentores desse poder preponderante) e a submissão da maioria. Quando tal acontece - e pode acontecer por factores internos, externos, ou ambos- a confiança dos membros da comunidade no Poder degrada-se, perde-se. Ganha o individualismo básico da sobrevivência. Com o poder da força – Poder Militar – a ser visto: pelos detentores do Poder, como último recurso para impor os seus desígnios, quando a Lei e a Propaganda se revelam infrutíferas; pelos cidadãos, como factor de produção de medo colectivo.

Hoje no nosso País, é iniludível a preponderância assumida pelo poder económico e financeiro, sustentado em factores internos e externos. Esta preponderância já nos conduziu a um violento estado de degradação social; de total perda de confiança nas instituições (públicas e privadas) e, sobretudo, nos governantes; de desesperança; de desespero. Não há futuro em que a comunidade acredite e pelo qual se disponha a lutar. Não há Bem-Estar, nem perspectivas de Felicidade. Não há, sequer, um sentimento individual de Dignidade.

Tudo isto foi alienado pelo poder económico e financeiro, sobrepondo-se violentamente ao poder politico, ao poder ideológico e religioso, ao poder do conhecimento e da ciência, usando despudoradamente o poder da propaganda para dividir, para mistificar, para distorcer, para manipular, e dominando o poder judicial, mantendo-o fortemente selectivo. O Poder é, assim, exercido contra a comunidade, porque os seus objectivos nada têm a ver com o Bem-Estar, a Felicidade, a Dignidade, o Futuro comum desejado pela comunidade. Pelo contrário, os seus objectivos são egoístas, amorais, apátridas e de alcance imediato. Nada têm a ver com Valores Humanos, têm tudo a ver com interesses individualistas exclusivamente materiais.

E se são estas as circunstâncias internas, as externas são ainda mais preocupantes. De facto, a União Europeia, usando fortíssimos meios de propaganda, apresenta-se com o desígnio da construção de um espaço de Cidadania plena, livre, democrática, solidária, onde as actuais e futuras gerações desejem viver acreditando que, por entre os escolhos, dúvidas e perigos intrínsecos à vivência de qualquer sociedade humana, estarão a ser percorridos os caminhos que conduzirão, também à garantia do direito à Vida, à Felicidade, à Dignidade e ao Bem-Estar individual e colectivo. No entanto, aquilo que podemos constatar, sem qualquer esforço, é uma realidade muito diferente: trata-se, simplesmente, de uma luta pelo Poder, com o poder económico e financeiro a sobrepor-se a todos os outros, e a utilizar todos os meios – mesmo os obscuros, e até ilegais – para alcançar esse Poder.

Todas as contradições a que pudemos assistir – e sofrer as respectivas consequências! -, e a que continuamos a assistir são prova cabal desta luta, que nada tem a ver com os interesses mais profundos dos povos. (O último exemplo dessa despudorada luta é o “passa culpas” entre o FMI e a Comissão Europeia acerca dos erros tremendos – em si mesmos, mas sobretudo nas suas criminosas consequências!- cometidos em relação à Grécia. Quantos não terão sido, e estão a ser, cometidos em relação a Portugal, à Irlanda, à Espanha, à Itália?).

Nesta situação, onde fica o poder militar? Onde fica a Condição Militar? Qual o sentido do sacrifício da própria vida, que é fundacional da Condição Militar? Perante quem, ou o quê, é feito o juramento militar?

Creio que as respostas a estas perguntas poderiam encontrar-se nas respostas dos Chefes Militares a estas outras questões: 1) Se o poder económico e financeiro se sobrepôs a todos os outros, exercendo, de facto, o Poder, isso significa que as Forças Armadas se lhe submeteram também? 2) Ainda serão Forças Armadas, ou serão já forças de regime? Em trânsito para privatização? 3) Sendo a Lealdade um Valor imprescindível aos militares, os Chefes Militares são, hoje, prioritariamente leais aos seus subordinados, ou a este novo Poder?

Creio ainda que as respostas a estas perguntas são necessariamente urgentes. Por uma outra razão, para além das acima expostas: o avanço da ciência é enorme e imparável. Com duas consequências imediatas, também a nível militar: essa evolução exige níveis cada vez mais elevados e consistentes do conhecimento científico; a transmissão e partilha do conhecimento e da informação é em rede, sem fronteiras. Estes dois factos colocam ao poder militar uma urgência de carácter simultaneamente estrutural e ético: não é mais possível manter o velho paradigma da obediência cega dos militares. Hoje, mais do que nunca – porque a Inteligência “tomou de assalto” o mundo em que vivemos! – é imprescindível reconhecermos a importância decisiva do que Bertrand Russell afirmou, em 1938: “Uma atitude de obediência, quando é exigida aos subordinados, é hostil à inteligência”.

A Condição Militar passa incontornavelmente por aqui.

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