quinta-feira, 18 de abril de 2013

Breve Nota sobre a Reforma da Defesa 2020

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“O Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional subordina-se directamente à Constituição da República”*

“É, pois, a praxis, continuada e permanente, de uma cidadania plenamente assumida, que nos “proíbe” de aceitarmos que a Segurança e a Defesa sejam confinadas a este ou àquele sector Segurança e a Defesa dizem respeito a todos os cidadãos, porque ambas exigem, nas suas múltiplas áreas de acção, com as suas múltiplas organizações (políticas, económicas, militares, policiais, judiciais, educacionais, empresariais, sindicais, culturais, tantas outras…), agindo num ambiente cada vez mais complexo e interdependente, a participação activa, empenhada, solidária, de todos os cidadãos.

Ah, e participação crítica, porque sem crítica não há participação activa, nem empenhada, nem solidária”**

Estas citações confluem no que parece ser consensual entre os autores que se dedicam ao estudo da Estratégia: ela está intimamente ligada à Política, sendo “um instrumento essencial ao serviço das inteligências e das vontades políticas”***

Não é pretensão deste texto desenvolver uma abordagem profunda ao Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), aprovado em Conselho de Ministros através da sua Resolução nº 19/2013, de 21 de Março (D. R. 1ª série Nº67, 5 de Abril). De facto, este CEDN apenas é chamado à colação para, por um lado, apontar uma singular contradição com a perspectiva, acima referida, do que é a Estratégia; e, por outro, identificar uma consequência que fará sentido se a esta contradição corresponder uma opção firme por um outro conceito de Estratégia completamente diferente.

Vejamos a questão da “singular contradição”: a Resolução do Conselho de Ministros fundamenta a sua decisão na Lei de Defesa Nacional e, no que ao âmbito deste texto importa, nas alíneas d) e g) do artigo 199º da Constituição. De que trata este artigo? Da “Competência administrativa” do Governo!

Quer dizer, o CEDN não é relevante do ponto de vista político (artigo 197º da Constituição – “Competência política” do Governo), nem do ponto de vista legislativo (artigo 198º da Constituição – “Competência legislativa” do Governo).

O Conceito Estratégico de Defesa Nacional será, assim, uma mera “administratividade”.

Será exagerada esta conclusão?

Como se disse, não é escopo deste texto a análise do conteúdo do CEDN.

No entanto, e dada a inquestionável e incontornável ligação deste CEDN ao documento recentemente aprovado no âmbito do Ministério da Defesa Nacional – Linhas Gerais da Reforma Defesa 2020 -. Importaria confirmar, ou infirmar, neste último, se, porventura, aquela conclusão terá algum sentido.

Este documento aponta, como uma das “orientações para a reorganização da macroestrutura da defesa nacional e das Forças Armadas” o seguinte:

“No âmbito do MDN, os serviços centrais do Ministério da Defesa Nacional devem ser reestruturados e redimensionados no sentido de a Direcção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar e a Direcção-Geral de Armamento e Infraestruturas de Defesa serem concentradas num único serviço.

Este serviço terá como responsabilidade a condução jurídica e administrativa dos processos de aquisição e de alienação dos sistemas de armas, bem como a função recrutamento,…”

Parece, assim, que o recrutamento de pessoal para as Forças Armadas se fará de um modo em tudo semelhante ao da aquisição de material! Ou seja, tal como já muitos se referem Ás pessoas como capital humano , passará a haver a designação de material humano .

Parece! Ora, em Política, o que Parece, É!

A ser assim, duas consequências se poderão identificar:

1. A “coisificação” dos militares, num retrocesso civilizacional de vários séculos, quando os exércitos ainda não eram Nacionais!

2. Uma porta que ficará aberta para que aos “processos de aquisição de pessoal” concorram… Empresas Militares Privadas!

Oxalá esteja enganado!

*António Moura, “Educação: uma questão de poder, ou uma questão humana?”

**Idem

***Instituto de Defesa Nacional, “Call for Papers”, (e.mail)

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Sobre a decisão do Tribunal Constitucional

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Não me passa pela cabeça considerar que algum dos membros – um só que seja! – do Tribunal Constitucional se caracterize por inaptidão intelectual, falta de experiência, visível limitação de conhecimentos, incapacidade de trabalho sistemático e sistémico. Em suma, reconheço a todos os membros do Tribunal Constitucional a necessária e adequada competência para o exercício de tal elevado quanto exigente cargo.

Deste reconhecimento deriva um outro, qual seja o de as suas decisões serem tomadas conscientemente.

E, porque competentes para o desempenho do cargo, o exercem de modo consciente, uma inevitável consequência se infere: são responsáveis pelas decisões que tomam.

A recente decisão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento de Estado para 2013, é, pois, uma decisão de que todos os seus membros são responsáveis.

E não responsáveis por quê? São responsáveis por:

1. “Constitucionalizarem” a prática do roubo. De facto, as pensões pagas a aposentados, pensionistas e reformados não são despesa do Estado, mas sim o retorno do investimento feito pelos trabalhadores (do sector público ou do sector privado), através dos descontos efectuados ao longo de uma vida (dezenas de anos, no meu caso mais de 47 anos!), por forma a garantirem uma velhice digna, e no âmbito de um contracto estabelecido (melhor, imposto!) pelo Estado, com que este se comprometia (comigo, o compromisso assumido pelo Estado tem mais de 47 anos de rigoroso cumprimento da minha parte!), ao pagamento dessa pensão a partir do acto da reforma ou da aposentação.

Se já é absolutamente reprovável uma diminuição dos salários dos trabalhadores (públicos ou privados), comparar pensões de reforma a salários de quem está no activo, não passa de ludibriar semanticamente a lei, num exercício de espertismo pacóvio, triste, mesquinho, rasteiro.

2. Darem cobertura a um acto cobarde. Afirmando terem tomado em conta “o contexto” – o de uma pretensa e não declarada “emergência nacional” - , acompanharam a opção do governo: cumprir os compromissos assumidos com os credores internacionais; rasgar os compromissos assumidos com os trabalhadores (públicos e privados). Este acto, de submissão perante os fortes, e de imposição perante os fracos, é um acto de cobardia em qualquer lugar decente do mundo. Curiosamente (ou não!), lembraram-se de se esquecerem do outro lado do “contexto”, o lado humano, o das pessoas reais, as que assumiram compromissos dentro do seu orçamento familiar julgado assegurado por terem no Estado o exemplo de “pessoa de bem”, e que agora se vêem confrontados com incumprimentos que não são, de todo, da sua responsabilidade. Compromissos (empréstimos, p. ex.) esses que, enquanto cumpridos, constituíram fonte permanente de lucro para as empresas, sobretudo bancos, mas que, agora, constituem razões humanas para o suicídio.

3. Destruírem o que poderia restar da confiança nas instituições democráticas. Vejamos:

1. É, ou não, verdade, que os bancos, após obterem a recapitalização “necessária”, se lançaram, de novo, na especulação financeira – ainda por cima com a dívida pública do País! -, para já terem apresentado, com jactância medíocre e vergonhosa, as “mais-valias” obtidas com esta absoluta imoralidade?

2. É, ou não, verdade, que não muitos (e um só que fosse era já demais!) os que, obtidos “empréstimos” de muitos e muitos milhões de euros (BPN, BANIF, CGD) não os pagaram, nem pagam, e continuam a viver como se nada de mal ou errado tivessem feito?

3. É, ou não verdade, que quando alguém se “esquece” de declarar ao fisco ganhos de alguns milhões de euros é “premiado” com uma taxa de IRS enormemente reduzida quando “é lembrado” do que se “tinha esquecido”

4. É, ou não, verdade, que se tal acontecesse a um qualquer comum cidadão, seria imediatamente apontado como criminoso, os bens penhorados, a família despejada de casa?

5. É, ou não, verdade, que os contractos das Parcerias Público-Privadas não são tornados públicos, na sua totalidade? Porquê?

4. Ferirem gravemente a frágil democracia em que vivemos. Os membros do Tribunal Constitucional sabem:

1. Que a Assembleia da República – que deveria ser a Casa-Mãe da Democracia, aliando o Poder Legislativo ao exercício da fiscalização da acção governativa – se submeteu, desde há anos, ao Poder Executivo;

2. Que a “Justiça” é manifestamente selectiva;

3. Que os (poucos) poderes presidenciais foram colocados “entre aspas” quando, perante a opção entre vencimento inerente ao cargo e pensões de reforma, estas foram preferidas;

4. Que é legítimo questionarmo-nos sobre se a “inconstitucionalidade dos subsídios de férias e do natal” não terá sido a “moeda de troca” para o roubo apontado em 1. (Reconheço que não tenho os conhecimentos dos membros do Tribunal Constitucional, mas se me fosse apresentado um Orçamento de Estado contendo a mesma inconstitucionalidade do Orçamento anterior, sentir-me-ia insultado, pelo que a minha decisão seria imediata, o “chumbo total”, por não reconhecimento de tal documento! E estaria a ser brando!)

Perante o que fica exposto, poderia retirar-se uma conclusão: deixámos de viver em Democracia, por excesso de concentração de poderes no Poder Executivo.

Esta conclusão recebeu “forte apoio” através da reacção do governo à (branda!) decisão do Tribunal Constitucional, numa demonstração inequívoca de que quer “mandar sem peias, custe o que custar”