sexta-feira, 23 de novembro de 2012

DA CONDIÇÃO MILITAR – Três Razões Políticas

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Vivemos tempos incertos, inseguros, perigosos. O tempo voraz da evolução tecnológica não se compadece com o tempo lento da percepção e interiorização social da mudança. Habitávamos um espaço quadrado, limitado e escasso, e com um tempo ilimitado para sermos e fazermos. Espaço e tempo que mudaram radicalmente em poucas décadas: agora habitamos um espaço ilimitado, desterritorializado, e um tempo imediato. Habitamos a sujeição à ditadura da urgência “any time any where”.

A quantidade de informação, de todo o tipo, é tão vasta, tão dispersa, tão atractiva e tão mutável, que rapidamente atingimos a impossibilidade de a transformar em conhecimento, e de utilizar este para gerirmos os nossos sonhos, anseios, expectativas, enquanto indivíduos, enquanto comunidade.

Porque chegamos a todo o lado a todo o instante, vivemos planetariamente. Mas, ao mesmo tempo, vivemos permanentemente no passado, tal a estonteante velocidade a que o futuro se torna obsoleto.

Ser ou não ser, ser ou ter, são questões hoje anacrónicas. Não temos tempo para reflectirmos, para sentirmos, para nos emocionarmos, para escolhermos. A ditadura da urgência impõe-nos que nos comovamos, deixando as nossas escolhas e as nossas reflexões limitadas à superficialidade e inevitabilidade com que tudo nos é apresentado.

Perdemos a capacidade de agir. Apenas reagimos. Deixámos o Sonho emigrar. Abdicámos do Futuro, alienando-o nas mãos de “seres” estranhos, abstractos e, contudo, violentamente poderosos, que não se cansam de afirmar que, constante e definitivamente, pensam por nós, agem por nós. E porque assim é, esses “seres” não podem preocupar-se com minudências como Valores e Princípios. Os seus interesses (dizem-nos que também são os nossos…) são muito mais importantes: eles “garantem-nos” o trabalho para podermos produzir o que devemos consumir antes de morrermos com a “consciência” de que cumprimos bem as três regras fundamentais da “vida” que temos o “privilégio de viver” – Trabalhar, Consumir, Morrer.

Tempos incertos, inseguros, perigosos, este com que nos confrontamos. Sendo cada um de nós uma pluralidade de Eus, é-nos extremamente difícil conceder prioridades a cada uma dessas identidades conforme os contextos e as circunstâncias que vivemos – porque não agimos de acordo com a nossa vontade e assumindo a responsabilidade das nossas escolhas, mas sim porque reagimos a estímulos fortíssimos mas apenas superficiais, perdendo-nos em rumos desconhecidos, desconfortáveis, indesejados, mas que nos são impostos porque, dizem aqueles “que pensam por nós”, são “inevitáveis, não há alternativa”.

Reduzidos à obediência ao que nos é apresentado como urgente e inevitável, tornamo-nos actores acríticos, autómatos, acéfalos. Sem condições efectivas para sermos responsáveis pelas nossas acções (ou omissões), aqueles “que pensam por nós” não se esquecem de nos fazer sentirmo-nos culpados por todos os insucessos resultantes de acções (ou omissões) nossas ou alheias.

Tempos incertos, inseguros, perigosos, que, estando globalizados, assumem inquietante amplitude no nosso país, mergulhado numa crise financeira duríssima - apresentada com “emergência nacional”, mas cujos processos e acções conducentes à sua ultrapassagem são desenvolvidos selectiva e discricionariamente pelo poder político, deixando, por isso, de ser nacional! – e geradora de crescentes desigualdades (iniquidades mesmo!) e tensões sociais potencialmente explosivas.

Ortega y Gasset disse que o Homem é ele próprio e as suas circunstâncias. São estas as nossas circunstâncias hoje. Aquelas em que Somos (ou tentamos Ser!), cada um de nós – nas escolhas que fazemos, nas acções (ou omissões) pelas quais somos responsáveis, numa pluralidade de Eus provocadora de intenso diálogo interior e com o Outro, também ele múltiplo nas suas identidades de pertença.

São estas as circunstâncias da nossa Condição Militar.

Uma Condição Militar que assenta em duas escolhas políticas exigentíssimas: a disponibilidade para o sacrifício da própria vida; o apartidarismo político.

Ambas são afirmadas individualmente, de modo solene, perante a única entidade a quem os militares se submetem: o Povo que juram defender.

Ambas só são possíveis, e efectivas, se suportadas por Valores e Princípios inequivocamente definidos, inequivocamente respeitados, inequivocamente cumpridos.

Porque não há nenhuma opção política mais exigente que aceitar o sacrifício da própria vida.

Porque o apartidarismo político, especialmente em tempos tão conturbados e perturbantes, convoca uma opção dificílima pela prioridade dada à identidade profissional (o militar), secundarizando outras identidades (sociais, culturais, religiosas, …) que também constituem, e são essenciais, para o Eu total e plural, e que estão, também elas, permanentemente sujeitas às tensões violentas provocadas pela incerteza, pela insegurança, pelo perigo, pelas dúvidas, das circunstâncias actuais.

Circunstâncias estas agravadas por uma acção governativa cujo conteúdo e cuja forma são contrários aos Valores e Princípios expressos na Constituição, a mesma Constituição em que os militares reconhecem os Valores e Princípios que dão efectivo suporte àquelas exigentíssimas escolhas políticas.

Ao analisarem o que os militares vêm dizendo, escrevendo e fazendo desde há alguns anos, mas com especial ênfase no último ano, muitos (governo, comentadores, comunicação social) têm feito um grande esforço para se situarem na superfície das coisas (nos “corporativismos”, p. ex.), “lembrando-se de se esquecerem” do fundo da questão: há um governo legítimo (resulta de eleições livres e democráticas) que, exercendo o poder político de forma selectiva, discricionária, e à revelia do mandato que recebeu – e que jurou honrar com lealdade! – se torna, por essa prática governativa, um governo ilegítimo.

Aquilo que os militares afirmam, através das, e com as, suas Associações Socio-Profissionais, é tão só o exercício de um dever inalienável de lealdade para com o poder político a quem estão subordinados: ASSIM NÃO!

É uma afirmação partidária? NÃO!

É uma afirmação política? É!

Uma última razão, tão exigentíssima politicamente como a primeira: num confronto armado, um militar pode morrer. Mas também pode matar. E matar outro Ser Humano. E se matar em nome de Valores e de Princípios é – TEM QUE SER! – uma opção política sempre questionável, matar “em nome de interesses” é… assassínio, constituindo um Crime de Guerra ou um Crime Contra a Humanidade, ambos explicitamente previstos no Estatuto de Roma (que Portugal ratificou)!

Quando a acção governativa, pela sua selectividade e discricionariedade, revela que não reconhece sequer um interesse nacional que se possa alcandorar ao nível dos Valores e dos Princípios (pois respeitaria a toda a comunidade nacional), os militares reafirmam: ASSIM NÃO!

É uma afirmação partidária? NÃO!

É uma afirmação política? É!

Porquê estas afirmações dos militares? Por que a acção governativa tal como vem sendo desenvolvida, quer pelo seu conteúdo, quer pela sua forma, põe em causa o juramento que os militares fizeram, e mantêm.

De facto, ambos, militares e membros do governo, juram individualmente – embora com fórmulas diferentes – perante a mesma entidade a que, por esse mesmo juramento, se submetem: o Povo! E fazem-no, ambos, através e no respeito pelo documento onde estão inseridos os Valores e Princípios que a Comunidade Nacional reconhece como seus e com os quais constrói a sua identidade colectiva – a Constituição.

Estas opções políticas dos militares, exigentíssimas quanto ao respeito àqueles Valores e Princípios, e quanto à prática de uma Cidadania responsável e solidária, impõem como contrapartida imprescindível, o exercício Ético do poder político. A começar pelo cumprimento efectivo do juramento de Lealdade feito sob compromisso de Honra.

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